Caprichos para dar, vender e emprestar

As línguas têm manhas e artimanhas. Cobram malícias que passam despercebidas a uns e outros

Por: Dad Squarisi  -  15/07/20  -  12:33

Recado


“Deixa lá Pascal dizer que o homem é um caniço pensante. Não: é uma errata pensante, isso sim.”
Machado de Assis


As línguas têm manhas e artimanhas. Caprichosas, põem os falantes à prova. Cobram malícias que passam despercebidas a uns e outros. A notícia do jornal de domingo serve de exemplo. Lá estava: “Nenhum dos dois conseguiram sustentar a tese”. Ops! O repórter tropeçou na concordância.


Nenhum, seguido de nome ou pronome no plural, exige o verbo no singular: Nenhum dos dois conseguiu sustentar a tese. Nenhum dos candidatos alcançou a nota mínima. Nenhuma de nós viajou neste fim de semana.


Nenhum ou nem um?


Nenhum = contrário de algum: Nenhum atleta chegou atrasado ao treino. Nenhuma das atrizes decorou o papel. Nenhuma das tantas palavras foi memorizada. 


Nem um = nem um ao menos. É substituível por outro numeral: Estava tão despreparado que não conseguiu nem um ponto na prova (nem dois pontos). Joguei R$ 200,00 na Mega e não fiz nem um ponto sequer (três pontos). Trabalhou a vida inteira e não conseguiu poupar nem um real (nem R$ 10,00).


Outro descuido


“AntiSupremo” apareceu na telinha da tevê. Telespectadores estranharam. Com razão. Em português, não se usa letra maiúscula no meio da palavra. Como fazer se houver necessidade de antepor um prefixo a nome próprio? Apela-se para o hífen: anti-Supremo, anti-Bolsonaro, anti-Lula, super-Maria, super-Trump, super-TCU.


Três regras de ouro


Fora nomes próprios, há três regras de ouro para emprego do hífen. Elas se referem aos prefixos.


O H é majestoso. Não se mistura. Diante dele, o hífen pede passagem: super-homem, anti-higiênico, sobre-humano.


Letras iguais se rejeitam. O hífen evita curtos-circuitos: anti-inflamatório, super-região, contra-ataque.


Letras diferentes se atraem: autoescola, contrarregra, minissaia.


Há exceções?


Há. Entre elas, os prefixos co- e re-. Eles têm alergia ao hífen. Com a dupla pequenina, é tudo colado: coordenação, corréu, reeleição, reinstalação. E por aí vai.


Quem sai na frente?


Cientistas de Europa, França e Bahia correm atrás da vacina contra o coronavírus. Esta semana, a Rússia anunciou que está na fase final de testes. O fato trouxe às manchetes a palavra russo. Mas, na pressa de escrever, alguns grafaram ruço. Os dois vocábulos existem. Mas têm significados pra lá de diferentes:


Russo = natural ou originário da Rússia: Os russos adoram vodca.


Ruço = pardacento ou complicado: O desentendimento entre Gilmar Mendes e as Forças Armadas está ruço. A coisa está ruça.


Por falar em russo...


Nos adjetivos pátrios, russo se escreve com hífen. No mais, é tudo coladinho: russo-americano, russo-brasileiro, russomania, russofobia.


Leitor pergunta


Vendem-se casas ou vende-se casas?
Wilson Gomes, Brasília (DF)


A resposta obedece à regra: o verbo concorda com o sujeito. No caso, trata-se da voz passiva sintética (formada com o pronome se). Casas é o sujeito da oração. Está no plural. O verbo abaixa a cabeça e se flexiona no plural. Compare: Vendem-se casas.


Vende-se a casa. Aluga-se apartamento. Alugam-se apartamentos.


Na dúvida, basta apelar para a passiva analítica (com o verbo ser). O sujeito fica bem claro: Casas são vendidas. A casa é vendida. Apartamento é alugado. Apartamentos são alugados.


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