A vida imita a ficção

A pastora Flordelis tramou a morte do marido, também pastor. Envolveu sete membros da família no crime

Por: Dad Squarisi  -  26/08/20  -  11:18

Recado
“A única maneira de não cometer erros é não fazer nada. Este, no entanto, é um dos maiores erros que se poderia cometer em toda a vida.”
Confúcio, filósofo chinês (551-479 a.C.)


Parece ficção. Mas ficção não é. É a vida real, com carne, osso e sangue nas veias. Ela tem 55 filhos -- uns biológicos, outros afetivos. Em 2018, o Rio a elegeu deputada federal com 196 mil votos. Ficou em primeiro lugar entre as mulheres eleitas no estado.


Ops! A pastora Flordelis tramou a morte do marido, também pastor. Envolveu sete membros da família no crime. Mais de um ano depois, a polícia desvendou o mistério. A moçada está no xilindró. Ela, com imunidade parlamentar, continua livre e solta.
Eis a questão


Flordelis é pastora deputada ou deputada pastora? Parece jogo de palavras. Mas não é. Questão semelhante quebrou a cabeça dos brasileiros no século 19. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis escreveu: "Não sou um autor defunto, mas um defunto autor".


Ao afirmar "não sou um autor defunto", Machado se disse diferente dos demais escritores. Alencar, Clarice & cia. escreveram em vida. São autores defuntos. Brás Cubas fez a mágica. Escreveu as memórias depois de morto. Foi defunto que virou autor. E Flordelis? É pastora deputada -- pastora que se tornou deputada.


A certidão


Flordelis sem hífen. Flor-de-lis com o tracinho. Por quê? Em ambos os casos, impera a regra do jogo do bicho. Vale o que está escrito. Na certidão de nascimento da pastora, aparece Flordelis. Na da planta, flor-de-lis.


Outros seres do reino vegetal formados por três ou mais palavras ligadas por preposição, conjunção ou pronome também pedem o tracinho: flor-de-lótus, copo-de-leite, bem-me-quer, cana-de-açúcar, pimenta-do-reino, castanha-do-pará, ipê-do-cerrado.


Vem, bicharada


Representantes do reino animal jogam no mesmo time. Obedecem ao registro: joão-de-barro, bem-te-vi, porco-da-índia, canário-da-terra.


Sabia?


O feminino de pastor é pastora. E de bispo? No popular, dizemos bispa. Mas a norma culta ensina outra lição. É episcopisa, que rima com papisa, poetisa e profetisa.


Deus nos livre


Quem mata uma pessoa comete homicídio. É homicida. Quem mata a mãe comete matricídio. É matricida. Quem mata o pai comete patricídio. É patricida.


Curiosidade


Os gregos chamam a deusa guerreira de Atena. Os romanos, de Minerva. O nome latino criou expressão pra lá de popular. Em disputas, quando há empate na votação, o presidente desempata. É o voto de Minerva. A história da honraria vem de longe, lá da mitologia grega.


Orestes matou a mãe e o namorado dela. Com o assassinato, vingou o pai. Agamenon foi morto pelo casal logo que voltou da guerra de Troia. O rapaz cometeu o crime mais grave da Grécia. A pena para o matricida era a morte.


Consciente do que o esperava, Orestes pediu socorro a Apolo. O deus topou ajudá-lo. Levou-o para ser julgado no tribunal. Atena presidiu o primeiro julgamento do mundo. Doze cidadãos atenienses formavam o júri. A votação terminou empatada. Coube à deusa o desempate. Ela declarou Orestes inocente. Com o voto de Minerva, nasceu o patriarcado. Os homens assumiram o poder.


Leitor pergunta


Está certo dizer “ocorreram 100 novas mortes”? Existem “velhas” mortes?
Carlos Assef, lugar incerto


Novas, aí, tem sentido de outras. Compare:


Comprei um carro novo. (É carro 0km.)
Comprei um novo carro. (Não é necessariamente 0km. É mais um.)


Percebeu? Nota 10 para “novas mortes”.


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