Escola da Família perde força

Iniciativa, criada em 2003, completa 16 anos no dia 23 de agosto, mas sem motivos para comemorar

Por: Caio França  -  21/08/19  -  11:17

Recebi com muita indignação a informação de reestruturação do programa Escola da Família, da Secretaria Estadual de Educação. A iniciativa bem sucedida, implantada em 2003, na gestão do governador Geraldo Alckmin, completa 16 anos no próximo dia 23 de agosto, porém sem motivos para comemorar.


Uma nova resolução publicada no início do ano extinguiu a função de vice-diretor do programa e do agente de organização escolar. O cancelamento do convênio com universidades privadas por meio do Bolsa Universidade também trouxe reflexos na redução de bolsistas universitários que trabalham de fim de semana nas escolas e em contrapartida recebem uma bolsa de estudo custeada 50% pelo Estado (até o limite de R$ 500,00) e o restante pela própria instituição de ensino superior parceira.


Com a ausência de uma estrutura mínima que garanta a manutenção do programa de forma digna e respeitosa à população, muitos educadores, bem como diretores de escola perderam o interesse em manter a porta das escolas abertas aos finais de semana.


Na Baixada Santista, até o ano passado, cerca de 70 escolas estaduais permaneciam ativas no programa, o que equivale a pouco menos da metade das escolas da região, de Bertioga a Peruíbe. Este ano, o número de escolas da rede estadual abertas à população de fim de semana caiu para 42 unidades, uma redução de quase 30% em comparação a 2018.


Ao longo de sua existência, o programa concedeu 260 mil bolsas por meio de 340 universidades conveniadas. Durante este período, o Bolsa Universidade tem representado a grande chance do estudante de baixa renda em cursar uma universidade e ainda ter a oportunidade de colocar em prática todo o aprendizado adquirido junto às comunidades do entorno escolar por meio do desenvolvimento de atividades ligadas à sua área de conhecimento. Essa troca de experiências certamente representa o melhor estágio na vida desses jovens.


Durante anos consecutivos, o programa ostentou números grandiosos e resultados surpreendentes. Mudou a cara da escola e do seu entorno, com significativa redução da evasão, do registro dos casos de violência nas proximidades das escolas e fez despertar o senso de pertencimento pelo patrimônio público, fazendo com que as comunidades auxiliassem na recuperação e manutenção da unidade, além de muitas outras conquistas.


A medida ousada de fazer da escola a extensão de casa, ofertando o espaço da escola estadual aos sábados e domingos, com a infraestrutura necessária, para a prática de atividades culturais, esportivas, de lazer, saúde e qualificação profissional, transformou a vida de muita gente.


Vidas transformadas por quem desenvolve o trabalho na ponta, uma equipe composta por educadores profissionais, universitários e voluntários, responsável pela programação, acompanhamento e supervisão das atividades e ainda mais pelos que foram e continuam sendo diretamente impactados pelo programa, a comunidade e a família, que se apropriam do espaço para a prática de atividades e ampliam os seus horizontes culturais.


No espaço da escola pública, muitas mães aprendem a fazer pão e gerar a sua renda de trabalho. Em muitos lugares, a única quadra poliesportiva do bairro fica dentro da escola, o que possibilita momentos de lazer entre pais e filhos. Neste mesmo ambiente, a avó aprende artesanato numa sala de aula, enquanto a irmã se arrisca nos instrumentos musicais. Neste clima harmonioso e familiar que o Escola da Família se consolidou.


Em seu legado de produção intelectual, Paulo Freire disse que “Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os  homens  fazem  do  mundo,  com  o mundo e com os outros”. O Escola da Família é uma das mais ricas experiências de projeto de educação não-formal premiado e reconhecimento internacionalmente que estimula a invenção e reinvenção de inúmeras habilidades e potencialidades.


Se tem uma área que não deveria sofrer jamais com a transição de governos é a Educação, pelo simples fato de que Educação é processo, não se colhe resultados de um dia para o outro. E inovar na forma de fazer gestão pública é também saber reconhecer o que deu certo, fortalecer as ações e trabalhar para fazer mais que o seu antecessor. Infelizmente, não é o que a história vem mostrando.


Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
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