Coronavírus: o gigante desconhecido

O que estamos vivenciando hoje é algo completamente novo. Desta forma, estamos lidando com o desconhecido, com o imprevisível, situação que nos deixa completamente míopes em algumas tomadas de decisão

Por: Caio França  -  15/04/20  -  10:00
Atualizado em 15/04/20 - 10:21
São muitas perguntas, algumas descobertas, porém, nada conclusivo
São muitas perguntas, algumas descobertas, porém, nada conclusivo   Foto: Imagem Ilustrativa/CDC/Unsplash

No último dia 11 completamos 30 dias da decretação da pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS). São longos e intermináveis dias tanto para os que precisaram se organizar repentinamente para lidar com uma doença nova e assustadora, como é o caso do Poder Público, quanto para os que tiveram sua vida profissional e social diretamente afetada pelas restrições advindas do isolamento. 


Nas duas circunstâncias estão desafios que exigem muito mais que a simples capacidade de criar ou se reinventar, algo muito comum a cada crise enfrentada num país de altos e baixos como o Brasil, de profunda instabilidade política e econômica. O que estamos vivenciando hoje é algo completamente novo. Desta forma, estamos lidando com o desconhecido, com o imprevisível, situação que nos deixa completamente míopes em algumas tomadas de decisão.


São muitas perguntas, algumas descobertas, porém, nada conclusivo. Em momentos como este, o gestor público, independentemente da esfera de atuação, quer esteja no comando de uma nação, do estado ou de um município, busca respaldo, para a tomada de ações, em evidências técnicas e científicas que ainda são extremamente incipientes neste sentido, dado o curto espaço de tempo da descoberta da doença que altera nosso cotidiano.


Outro fator determinante para o gestor é agir fundamentado nas características da sua população, localização, cultura e outras inúmeras variáveis que fazem com que nem sempre possamos nos espelhar nas experiências bem-sucedidas no combate ao vírus em países como a Alemanha e a Coréia do Sul, por exemplo, que possuem baixos índices de letalidade para a Covid-19. 


Fui buscar informações sobre estes países e descobri que, em ambos os casos, a capacidade de realização de testes massivos na população e diagnóstico precoce foram determinantes para conter a propagação da doença.  O reconhecimento que o surto estava instalado na comunidade por meio dos testes possibilitou que os países pudessem trabalhar antecipadamente, e que saíssem na frente na adoção de medidas de contenção.


Infelizmente, no Brasil não conseguiremos aplicar a mesma estratégia. A orientação das autoridades é testar apenas quando os sintomas estejam aparentes, justamente porque não dispomos de testes suficientes. Temos limitação de insumos, materiais, máscaras, respiradores e leitos hospitalares.


A falta de leitos hospitalares, inclusive, foi o que motivou em julho do ano passado, a realização de uma audiência pública para levantar os principais pleitos da saúde pública na região pelas Frentes Parlamentares de Apoio à Baixada Santista e Vale do Ribeira, e de Melhorias do Sistema de Saúde na Baixada Santista, no plenarinho da Câmara Municipal de Santos. Reunimos as principais lideranças, médicos e especialistas, justamente para fazer um raio-x da saúde na região.


Estimamos que 600 leitos encontravam-se fechados por falta de recursos financeiros e de recursos humanos, e que a situação reverberava no sistema Cross (Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde), oportunidade em que foi possível esclarecer uma equação simples: se não há vaga, não há regulação que se sustente. Na ocasião, entregamos um manifesto nas mãos do secretário Estadual de Saúde, José Henrique Germann Ferreira, solicitando a construção de uma agenda de saúde para a Região Metropolitana da Baixada Santista.


Após oito meses da referida audiência pública, nos deparamos com uma situação que pode colocar o sistema de saúde em colapso. Nosso período de quarentena tem sido importante para conter a propagação do vírus, achatar a curva, mas também para garantir maior estruturação, montagem e operacionalização de hospitais de campanha e ampliação de leitos hospitalares, situação já evidenciada pela nossa audiência pública, e que já poderia ter sido solucionada, ao menos em parte.


A alta taxa de transmissibilidade da Covid-19 passa também pela dinâmica de formação das famílias e o seu convívio, que são completamente diferentes em todos os cantos do mundo. Isso ocorre pelos valores, costumes ou, até mesmo, pela necessidade de cada um. Na Alemanha, por exemplo, apenas 10% da população ativa de 30 a 49 anos reside com os pais. Esta é uma hipótese a ser levada em consideração ao se analisar a baixa taxa de letalidade da doença no país, bem como a taxa de população idosa acima de 60 anos que gira em torno de 20%.


São realidades distintas. Sabemos que no Brasil muitos pais dependem da ajuda dos avós para deixarem os seus filhos em segurança enquanto saem para trabalhar e buscar o sustento da família, isto quando todos não dividem a mesma moradia ou cômodo. Esse, inclusive, é um forte argumento que inviabiliza completamente a sustentação da teoria do isolamento vertical. Ao menos em alguns lugares, sabemos que não funcionará.


De acordo com levantamento recente, com base em dados do Ministério da Saúde, 25% dos óbitos no Brasil correspondem a pessoas que estão fora do considerado grupo de risco, com menos de 60 anos e sem doenças pré-existentes. É um alerta importante para quem acredita que já driblou o vírus, que é um tema vencido e que não merece a devida atenção.


Dessa forma, compreendemos que os bons exemplos devem ser seguidos, desde que estejamos no mesmo patamar de condições para traçar comparativos com os demais países que enfrentaram a Covid-19, bem como no que se refere ao modo de comportamento e conscientização de cada sociedade. Não existe modelo a ser seguido quando o assunto é a preservação da vida e nem solução mágica. É preciso analisar caso a caso. Então, se puder, fique em casa para que médicos, cientistas e pesquisadores possam reunir o maior número de informações e conclusões sobre esse gigante desconhecido.


Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
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