TCU cobra explicações sobre serviços de TI para a Codesp

Auditoria apontou irregularidades em contratos; citados podem ser multados em cerca de R$ 17,9 milhões

Por: Fernanda Balbino  -  09/12/18  -  21:18

Executivos da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), ex-dirigentes da Autoridade Portuária e empresários terão 15 dias para prestar esclarecimentos ao Tribunal de Contas da União (TCU) sobre irregularidades identificadas na contratação de serviços de Tecnologia da Informação (TI) para a estatal. Caso descumpram a determinação, os 17 citados pela corte deverão devolver cerca de R$ 17,9 milhões aos cofres públicos.


Os apontamentos do TCU são fruto de auditoria feita entre os dias 28 de maio e 10 de agosto. As investigações foram motivadas após informações sobre possíveis fragilidades no planejamento e no controle das aquisições de TI da administração pública e, especificamente, na Autoridade Portuária.


Os levantamentos se referem a dois contratos: um de 14 de abril de 2016, com a N2O Tecnologia da Informação Ltda., e outro com a Linkcon Ltda, de 13 de setembro do ano passado.


O contrato entre a Codesp e a N2O diz respeito à aquisição de licenças para solução de gerenciamento de portfólio e projetos, de gerenciamento de contratos administrativos e de indicadores de desempenho – software de Business Intelligence (BI), além de treinamento dos usuários da Codesp nas soluções de TI, e dos serviços de suporte técnico, de manutenção e de apoio estratégico.


A empresa receberia R$ 12,3 milhões. Mas, após aditivos, obteve R$ 25,2 milhões. A área técnica responsável pela auditoria do TCU concluiu que se descumpriram normas, por causa da ausência de documentos exigidos no processo de contratação. Detectou, ainda, “a insuficiência e a ocorrência de erros grosseiros em vários artefatos de planejamento” do contrato.


Esses apontamentos corroboraram as análises registradas pela Controladoria-Geral da União (CGU). O relator do processo é o ministro do TCU Augusto Sherman Cavalcanti.


Tribunal de Contas indica problemas na compra de licenças para soluções de TI
Tribunal de Contas indica problemas na compra de licenças para soluções de TI   Foto: Divulgação


Irregularidades


Conforme a Secretaria de Controle Externo do TCU (Secex), a aquisição das licenças do Sistema Gescon, que engloba o fornecimento de solução de gerenciamento de contratos administrativos, previsto no contrato com a N2O, gerou prejuízo de R$ 5 milhões, pois o uso desse sistema pela Codesp era desnecessário. “(...) A equipe de auditoria não identificou nenhum funcionário da Companhia que soubesse operar o sistema”, citou Cavalcanti.


Segundo o ministro, quanto à solução de BI, a Secex identificou que apenas uma licença do software estava instalada na Codesp na época da auditoria. Isso traz indícios de que nenhum funcionário da Autoridade Portuária sabia utilizar o sistema, apesar de 30 licenças terem sido adquiridas e pagas no valor de R$ 363 mil. “Lembro, contudo, que restou demonstrado que os funcionários da empresa N2O forneciam relatórios gerenciais, obtidos por meio do software, aos gestores da Codesp (...)”.


Além das licenças contratadas, outros produtos e serviços pagos pela Docas também foram considerados desnecessários e não havia demonstração confiável de que parte dos serviços prestados e pagos tivesse sido executada.


A unidade técnica defende a imputação de débito aos gestores e à empresa contratada, referente ao pagamento de três cursos de treinamento a R$ 14 mil cada. A Docas informou, por sua assessoria de imprensa, que se pronunciará quando for intimada. A N2O nada respondeu.


Empresa recebeu R$ 7,9 milhões


Ao analisar as ordens de serviço pagas pela Codesp à N2O, o TCU identificou pagamentos indevidos que totalizaram R$ 7,9 milhões. Segundo a Secretaria de Controle Externo (Secex) do TCU, sem a comprovação de qualquer serviço ou produto entregue, foram expedidas quatro ordens de serviço 22/2016, que somam R$ 668,7 mil. Com relação a pagamentos em duplicidade, o montante supera a marca de R$ 1 milhão.


Outros R$ 279 mil foram pagos por serviços que acabaram reprovados por apresentar inconsistências. A integração de sistemas que, segundo o TCU, não entraram em operação gerou débitos de R$ 185,4 mil.


Também foram identificadas despesas, de R$ 52,6 mil,que não têm produtos ou serviços entregues e que não apresentam razoabilidade pelos valores cobrados.
O tribunal aponta, ainda, despesas com relatórios/documentos de comprovação de execução que não guardam relação com os produtos descritos na própria ordem de serviço. Nesse caso, o valor é de R$ 76 mil.


Outros R$ 119,2 mil foram pagos pela Docas. Porém, o relatório de atividades mensal não faz menção a nenhuma atividade realizada no período de sua execução.


Mais problemas


O TCU também indica pagamento cujos documentos apresentados, para corroboração da execução dos serviços prestados, não foram produzidos pela empresa contratada, não guardam relação com o período de execução da ordem de serviço, não apresentam razoabilidade pelos valores cobrados e já teriam sido utilizados para comprovar a execução de outras ordens de serviço. A soma, neste caso, é de R$ 79,2 mil.


“Também foram identificadas outras ordens de serviço pagas e nas quais ocorreram variações e combinações das impropriedades já mencionadas, incluindo o pagamento por serviços que não guardavam relação com o objeto do contrato. Nesse contexto, a unidade técnica aponta a ocorrência de débito no valor total histórico de R$ 5,4 milhões”, de acordo com o ministro do TCU Augusto Sherman Cavalcanti, relator do processo.


Operação Tritão


A N2O é uma das empresas envolvidas na Operação Tritão, deflagrada pela Polícia Federal (PF) em 31 de outubro. Nela, sete pessoas foram presas, incluindo o ex-presidente da Codesp José Alex Oliva e o ex-diretor de Relações com o Mercado e a Comunidade Cleveland Sampaio Lofrano.


Também foram presos Carlos Antônio de Souza, ex-assessor da Docas; Gabriel Nogueira Eufrásio, superintendente jurídico; e os empresários Mario Jorge Paladino, Joabe Francisco Barbosa e Joelmir Francisco Barbosa – todos liberados após fiança.


Na Tritão, apontam-se fraudes em pelo menos três contratos firmados pela Codesp: o de digitalização de documentos com a MC3 Tecnologia, o de serviços de informática com a N2O Tecnologia e o pagamento indevido à Domain Consultores, em aditivo contratual.


Débitos deR$ 2,6 milhões


O Tribunal de Contas da União (TCU) também auditou o contrato firmado entre a Codesp e a Linkcon Ltda. A área técnica da corte identificou irregularidades que causaram débitos de R$ 2,6 milhões.


A auditoria constatou falhas no planejamento da contratação e que as pesquisas de preços apresentam irregularidades, indicando possível simulação. Segundo a corte de contas, foram pagos serviços de desenvolvimento de software não prestados e também há indícios de ato antieconômico por falta de necessidade de aquisição da tecnologia.


A empresa foi contratada, em 12 de setembro do ano passado, para prestar serviços de modernização da atividade portuária. Entre eles estão suporte para sistemas existentes, adoção de fluxo digital na tramitação de documentos eliminando o uso de papel, suporte técnico e suporte à infraestrutura de rede e servidores. O prazo de execução era de 12 meses, a R$ 2,8 milhões – dos quais R$ 2,5 milhões eram destinados ao desenvolvimento de software.


“No entanto, a equipe de auditoria trouxe diversos indícios de que o sistema apresentado, denominado GED Workflow, já se encontrava pronto à época da contratação, tratando-se de um ‘software de prateleira’.


Dessa forma, entende que houve a simulação do desenvolvimento da solução de TI por meio da emissão e pagamento de ordens de serviço que tratavam do desenvolvimento do aplicativo, em que pese ele ter sido apenas customizado para atender as necessidades da Codesp”, afirmou o ministro Augusto Sherman Cavalcanti.


Segundo ele, cinco empresas apresentaram proposta de preço à Codesp para a prestação desses serviços. Esses orçamentos foram utilizados para justificar a validade da contratação da Linkcon.


Concorrentes


A equipe de auditoria do TCU identificou indícios que levantam dúvidas quanto à capacidade de duas empresas proponentes. Também constatou que alguns funcionários da Linkcon tinham estreita relação com essas empresas.


Diante desses fatos, a equipe considerou que as propostas apresentadas por duas concorrentes não eram válidas e serviram apenas para simular a pesquisa de preços para justificar a contratação.


A Linkcon não respondeu à Reportagem até o fechamento desta edição.


Tudo sobre:
Logo A Tribuna
Newsletter