Paulo Henrique Cremoneze: Ainda sobre navios, riscos e responsabilidades

Fortalecer os mecanismos de rigorosa punição dos armadores é mais do que necessário

Por: Paulo Henrique Cremoneze  -  03/08/21  -  17:34
 Paulo Henrique Cremoneze: Ainda sobre navios, riscos e responsabilidades
Paulo Henrique Cremoneze: Ainda sobre navios, riscos e responsabilidades   Foto: Rinson Chory/Unsplash

Mais de uma vez usei este espaço para comentar os riscos envolvidos no transporte marítimo de carga.


Quem assume empresarialmente atividade de risco tem que sempre responder por danos e prejuízos, não se admitindo mitigações desse dever que é jurídico, mas, antes de tudo, moral.


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E, quando falo em riscos, não falo nos dos transportadores, mas nos que decorrem de suas atividades.


Riscos ao meio ambiente, aos portos, às pessoas.


Navios são grandes fontes de riscos e protagonistas de muitos acidentes e danos.


Na última coluna, comentei sobre o que houve no Canal de Suez e os prejuízos milionários sentidos em todo o mundo.


As tintas do artigo mal esfriaram e já temos no horizonte outro sinistro, de menor repercussão, mas nem por isso menos tão menos grave ou importante.


Falo do que ocorreu no início do mês de junho no Porto de Kaohsiung, Taiwan, um dos mais importantes da Ásia e do mundo.


As imagens do sinistro correram o mundo e são impressionantes.


Um grande navio de carga colide com outro, menor, atracado, e destrói equipamento de terra (portêiner) e arrebenta parte do cais.


Contêineres que estavam abaixo são imediatamente avariados e alguns tombam no navio.


Sem dúvida, prejuízos milionários. Graças a Deus, não se tem notícias de vítimas fatais, só de danos materiais.


Dizem que uma imagem vale por mil palavras. Claro que, especialmente nestes tempos de tecnologia digital, temos que ter muito cuidado com as imagens, mas não é menos claro que, de fato, imagens são capazes de substituir palavras.


Por mais que alguém — em nome da sempre boa prudência — queira aguardar as investigações das autoridades locais, é muito difícil não enxergar a responsabilidade absoluta do navio pelo evento danoso.


Nenhum esforço retórico será capaz de desqualificar aquilo que se viu e que a inteligência referenda.


O navio danador bateu em outro atracado, destruiu um equipamento parado e atingiu alvo estático.


Falha de manobra, descuido, problema de maquinário, qualquer que tenha sido a causa do acidente, a responsabilidade do navio se mostrará gritante, transparente quanto um sofisticado copo de cristal.


Descartada a eventual intempérie — já que as imagens mostram um dia radiante e luminoso —, impossível não concluir algum problema de bordo.


Embora prescindível o uso do conceito, já que a responsabilidade do transportador marítimo é objetiva por manejo de fonte de risco (Artigo 927 do Código Civil), ouso falar em culpa grave, inescusável, dado o desenho assustador do sinistro.


Por isso, insisto na necessidade de se pensar seriamente no incremento da responsabilização civil dos armadores em relação aos danos que causam.


Não só donos de cargas e seus seguradores são vítimas frequentes, mas a natureza, os pescadores, os empreendedores e profissionais do turismo, a sociedade toda, direta ou indiretamente.


Sim, é verdade que o sistema jurídico brasileiro — curiosamente, o melhor do mundo neste campo — tem regras bastantes para imputar a responsabilidade integral do armador protagonista de dano, mas é preciso ir muito além.


Evitar que a arbitragem seja imposta unilateralmente é algo a ser muito e devidamente considerado. Impedir uso de normas internacionais, anacrônicas e casuísticas de limitação de responsabilidade, também. Considerar os seguradores dos navios, os famosos clubes de proteção e indenização, como devedores solidários ou subsidiários, também.


Tudo isso é importante, principalmente porque nem todo armador é empresa sólida e com linhas regulares para o Brasil.


O avanço do Direito é um marco civilizacional e sua visão atual é no sentido de se proteger integralmente os legítimos direitos e interesses das vítimas dos danos.


As vítimas devem ser tuteladas e abraçadas, não os danadores. Quando um danador, autor de ato ilícito, ainda que unicamente civil, não responde rápido e integralmente pelo prejuízo que causou, a vítima é danada uma segunda vez, e a sociedade toda sofre.


Fortalecer os mecanismos de rigorosa punição dos armadores é mais do que necessário. Ninguém duvida de que a atividade seja fundamental e que merece benefícios tributários e incentivos, privados ou governamentais. Há algo de estratégico e salutar nisso. O que aqui se advoga é apenas o que a Justiça aspira: “dar a cada um o que é seu”.


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