Matheus Miler: Acordo Bilateral Brasil-Argentina. A quem não interessa?

Recente anúncio do Governo causou inquietação aos armadores brasileiros e argentinos dedicados a este mister

Por: Matheus Miler  -  09/03/21  -  14:50
PDZ otimiza uso de áreas da região portuária
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O recente anúncio do Governo Brasileiro, através do ofício nº 148 da Embaixada Brasileira em Buenos Aires, endereçado ao Ministério das Relações Exteriores e Comércio Internacional da Argentina, com o objetivo de demonstrar sua intenção de não renovar o acordo bilateral de transporte marítimo, firmado em 1985, causou inquietação aos armadores brasileiros e argentinos dedicados a este mister.


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O acordo bilateral de transporte marítimo é um instrumento de promoção da navegação, da indústria naval e consequentemente do comércio exterior, que garante prioridade no transporte de mercadorias transacionadas entre os países signatários por navios das suas respectivas bandeiras. 


No Brasil, com sua privilegiada condição litorânea, a política de transporte marítimo é tratada desde o nosso nascedouro. Já em 1974, no governo do General Ernesto Geisel, o assunto foi abordado e registrado em um amplo relatório, elaborado pelo Ministério das Relações Exteriores, que analisou a geopolítica daquele momento e tratou da política de comércio internacional com especial atenção às relações com as “nações-irmãs da circunvizinhança de aquém e além-mar” (sic). 


O relatório reforça a importância da ampliação dos laços nas Américas e, em matéria de navegação, consagra o princípio da reserva de carga, que já norteava a política marítima brasileira. Sendo, naquela altura, em visita do presidente Luiz Echeverria, do México, ao Brasil, em julho de 1974, assinado o Convênio sobre Transportes Marítimos Brasil-México, e no mesmo ano também assinado o convênio Brasil-Chile (ambos encerrados). 


O acordo bilateral Brasil-Argentina foi firmado em 15 de agosto de 1985, aprovado pelo Decreto Legislativo n°58, de 13 de outubro de 1989, e promulgado pelo Decreto n° 99.040, de 6 de março de 1990. Deste então as empresas de navegação brasileiras e argentinas se aproveitaram dos seus termos para garantir cargas e preencher sinergicamente o espaço ocioso em suas embarcações, reduzindo os custos logísticos e gerando desenvolvimento econômico e social para ambas as nações.


As três décadas seguintes foram as de maior crescimento de nosso comércio exterior, do desenvolvimento da indústria naval e da logística nacional, período em que chegamos à sétima economia do Mundo. O Brasil se tornou um “player” interessante no comércio mundial, atraindo conglomerados industriais e empresas de serviços logísticos multinacionais. Foi também um período de intensificação das relações comerciais com a Argentina em muito lastreada pelos acordos, com especial crescimento do transporte de cargas conteinerizadas e automobilísticas.


A ampliação dos serviços de transporte marítimo de cabotagem no Brasil e da grande cabotagem na América do Sul despertou o interesse dos armadores internacionais, que adquiriram empresas brasileiras de navegação, injetando investimentos, desenvolvendo novos serviços e acirrando a concorrência. Por outro lado, foi também um período em que se intensificou a fiscalização sob a prática, nada ortodoxa, da “venda de bandeira” — empresas brasileiras de navegação utilizam espaços em navios de bandeira estrangeira e emitem conhecimentos de cargas nacionais, facilitando a entrada de bandeiras estranhas aos tráfegos bilaterais — afetando o volume de cargas transportadas pelas companhias dedicadas a cumprir os acordos.


Portanto, o aparente viés de protecionismo dos acordos bilaterais de transporte marítimo, na verdade, estimula a atividade, garantindo a melhor prestação de serviços, assegurando a estabilidade regulatória e custos mais baixos, e atrai constantes investimentos para, ao fim, oferecer regularidade de embarcações e preços mais competitivos para o transporte do produto nacional.


Aliás, estas diretrizes estão bem assentadas na Nota Técnica n°10/2020, da Coordenadoria Geral de Navegação, do Departamento de Navegação e Hidrovias, da Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários do Ministério da Infraestrutura (CGNV/DNHI-SNPTA/Minfra), e foram utilizadas para embasar a formulação da nova política pública — conhecida como BR do Mar — que visando incentivar o desenvolvimento da cabotagem no Brasil e, neste contexto, a decisão de encerrar o acordo bilateral de transporte marítimo com a Argentina, foge da costumeira assertividade com que o Governo Federal trata a infraestrutura logística do País.


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