Paulo Henrique Cremoneze: A responsabilidade do autor do dano e o direito da vítima

Nesta edição da coluna, o advogado atuante nas áreas de Direito do Seguro e Direitos dos Transportes fala sobre a falta de responsabilidade de transportadores

Por: Paulo Henrique Cremoneze  -  31/07/19  -  19:47

O desenvolvimento econômico e o empreendedorismo exigem segurança jurídica. Toda atividade econômica tem que ser precedida e garantida por marcos regulatórios. E idealmente, um marco regulatório tem que ser equilibrado, justo, racional e bom para todos os protagonistas diretos de uma determinada atividade e, consequentemente, ao seio social como um todo, já que nenhuma atividade é um fim em si mesma, mas algo destinado a todo o mundo.


Exatamente por isso que, a cada dia, se torna ainda mais incompreensível disposições normativas que disponham sobre limitações de responsabilidade.


É bem verdade que existem algumas poucas que são lógicas e substancialmente corretas, como a que diz que o segurador não indenizará o segurado além daquilo que se obrigou por força do contrato. Isso é tão óbvio que não se trata de uma limitação de responsabilidade, mas de ontologia contratual, até porque o objetivo da indenização de seguro é restabelecer a condição patrimonial do segurado antes da ocorrência do sinistro, do risco previsto na apólice de seguro. 


Mas, excetuado o exemplo acima, as limitações são essencialmente injustas, contrárias ao Direito Natural e, mesmo, a própria ordem moral. Afinal, trata-se, antes de tudo, de princípio moral que aquele que tenha causado um dano a outrem repare-o integralmente. Isso é algo tão sensível que o Direito brasileiro não deixou de observar com prudente rigor.


O Art. 944 do Código Civil é claro e taxativo ao instituir o princípio da reparação civil integral. Basicamente, o que a lei determina é que o causador do dano tem o dever de o reparar totalmente, sem escusas. Este princípio tem fundamento constitucional, uma vez que exposto no rol do Art. 5º da Constituição Federal, que também determina que toda vítima de um dano tem direito a reparação civil ampla e integral.


Em sendo assim, é impossível de se defender, sem se ofender o Direito e a Moral, qualquer forma de mitigação da responsabilidade, seja qual for sua fonte: contrato ou convenção internacional. A verdade que salta aos olhos é que a limitação de responsabilidade é umbilicalmente antijurídica. 


Isso é especialmente relevante no meio do transporte marítimo internacional, em que transportadores tentam se revestir de uma gama enorme de institutos protetivos a fim de não responderem por suas respectivas responsabilidades.


Mas a tentativa, felizmente, não é abraçada pelo Poder Judiciário brasileiro, que trata de melhor forma o Direito Marítimo, mas, de vez em quando, abre espaço para muitas e desgastantes polêmicas. 


A tecnologia avançou, a engenharia naval se desenvolveu, a precisão da navegação se tornou quase cirúrgica, mas os armadores e seus afins ainda insistem em gritar por benefícios contratuais e normativos de cerca de quinhentos anos atrás. Desde a limitação de responsabilidade ao procedimento de avaria grossa, existe um mosaico absurdo de mecanismos de proteção que geram profundo desequilíbrio econômico e tornam os donos de cargas, os terminais e os seguradores de ambos reféns de um autoritarismo que nada tem a ver com as boas e saudáveis relações comerciais.


Admitir que um causador de dano não responda integralmente pelo prejuízo e pelo ato ilícito é deformar o Direito e beneficiar quem está flagrantemente errado em um caso concreto. Guardadas as proporções, é o mesmo que o criminoso condenado acusar o juiz sentenciante de cometimento de ilicitude.


Mais do que o amparo da jurisprudência, a ideia ora exposta se ancora nos princípios fundamentais do Direito, já que a ninguém é dado causar dano a outrem impunemente. Punir com justiça, integralmente, o causador de um dano não é apenas valorizar a vítima, mas defender a sociedade.


Uma coisa é certa: sempre que alguém alega em seu favor limitação de responsabilidade tenta impor a vítima uma intoleráveis limitação de Direitos. Contra isso que o Direito deve por sua mão forte, premiando a Justiça e facilitando o bom fluxo das relações comerciais simétricas.


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