Paulo Henrique Cremoneze: A quarta revolução industrial e o trabalho

Na edição da coluna, o advogado e mestre em Direito Internacional fala sobre os impactos da transformação digital no desemprego dos trabalhadores do setor marítimo e portuário

Por: Paulo Henrique Cremoneze  -  04/09/19  -  18:25

O mundo vive, hoje, uma quarta e poderosa onda revolucionária, rompedora de paradigmas e protagonista de grandes mudanças estruturais: a chamada quarta revolução industrial.


A primeira foi a industrial propriamente dita, a das máquinas a vapor. Depois, a da eletricidade e, muito tempo depois, a da informática. Agora, a terceira onda ou revolução dá um enorme salto e em pouco tempo, a ponto de se falar em nova onda, a digital.
Obviamente que uma revolução se conecta à outra, mas a atual parece maior, mais dinâmica, mais rápida, mais intensa e, inegavelmente, mais presente no cotidiano de cada pessoa.


E essa presença forte tem muitos aspectos positivos, especialmente em campos sensíveis como os da medicina e informação. 


O avanço da tecnologia propicia grandes conquistas e qualidade de vida. Dou um exemplo: estou neste momento em que escrevo em Taormina, Sicília, Itália, e consigo em segundos, pelo teclado de um laptop, por meio da internet, me comunicar com a redação do jornal e enviar em segundos o texto que, agora, é publicado. Consigo me comunicar com meus sócios e colegas de escritório para tratar de assuntos profissionais, além de brincar com amigos e conversar com familiares. 


Fiz recentemente delicada cirurgia na cervical, que foi um estrondoso sucesso porque, ao talento do cirurgião, se juntou a alta tecnologia empregada na medicina de ponta. 
Tudo isso é bom? Claro, é ótimo, mas tem seu lado sombrio, perigoso, preocupante. Um lado com grande custo social e que não pode de modo algum ser ignorado. Falo do trabalho, da mão de obra, das vidas das pessoas.


Os setores marítimo e portuário dão sinais preocupantes em tal sentido. Sempre que algum avanço tecnológico é divulgado, pergunto quantos empregos serão literalmente dizimados.


Ao que alguém poderá dizer: é o progresso! É algo que não se pode impedir! As pessoas irão se ajustar à nova situação e realizar novas funções!


Diante dessas afirmações, pergunto: Mesmo? Progresso? Serão milhares de pessoas capazes de realinhamentos profissionais?


Parece-me que o excesso de otimismo cega as pessoas ao fato que esta nova revolução não é pontual, mas contextual e promove fundamentais e radicais mudanças orgânicas e estruturais.


Não é de hoje que máquinas fazem às vezes do homem, mas somente hoje ocupam postos de funções não repetitivas. Equipamentos sofisticados substituem dezenas de estivadores e navios totalmente computadorizados praticamente dispensam tripulações. Estivadores, marinheiros, chefes de máquinas e oficiais de náutica serão brevemente prescindíveis. E com o “avançar” das coisas, quem sabe os conferentes e fiscais também. O Porto de Santos, antes celeiro de muitos empregos diretos e indiretos, passará a operar com punhado de gente. 


A própria advocacia mudará, como já mudou. Sobrarão os advogados ultra especializados e com nomes consolidados, os quais não precisarão mais empregar novos advogados, estagiários e auxiliares porque seus sofisticados computadores os fazem dispensar equipes mais robustas.


Muita gente enxerga o mundo do futuro imediato positivamente, mas eu, não. Temo pelo empobrecimento da população mundial e por repetidos e constantes conflitos sociais e tensões bem graves.


Se áreas tradicionais como a marítima e a portuária, famosa pelas circulações de riquezas e fomento de empregos, já se mostram fortemente afetadas, o que se poderá dizer de outras? Ao contrário do que muita gente diz, a quarta revolução industrial, da forma como caminha, sem políticas sociais adequadas, promoverá mais ônus do que bônus e agravará a concentração de renda e o estreitamento dos gargalos sociais.


Não se trata de um discurso ideológico, socialista – longe disso, até porque sou um homem conservador integral e defensor da economia de mercado – mas de atenciosa constatação das coisas em curso como elas realmente se mostram.Tudo o que mais ardentemente desejo é estar errado e queimar a língua, mas despido de qualquer vaidade, concluo que as chances de estar certo são maiores e é por isso que enxergo o presente, porta de entrada do futuro, com grande preocupação. 


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