Milton Lourenço: MP 945 e suas consequências

Mais uma vez, as determinações chegam impostas por Brasília, ou seja, desabam sobre os portos sem permitir que sua aplicação seja avaliada por uma autoridade local

Por: Milton Lourenço  -  19/08/20  -  23:33
 MP 945 e suas consequências
MP 945 e suas consequências   Foto: Ilustração: Padron

A Medida Provisória nº 945, aprovada pelo Congresso Nacional ao final de julho, trouxe uma série de regras que, se colocadas em prática, poderão dar uma nova diretriz à política de comércio exterior, pois haverá de facilitar a troca de produtos com os demais países e, finalmente, tirar o País da modesta condição de responsável por apenas 1,28% de tudo o que se vende e se compra no planeta. Uma dessas regras é aquela que altera a Lei nº 12.815 /2013, também conhecida como Lei dos Portos, e permite a dispensa de licitação para o arrendamento portuário, quando for identificado apenas um interessado na exploração da área.


Como se sabe, uma das maiores queixas do empresariado ligado à atividade portuária é o excesso de intervenção estatal e burocracia na área, que impede o crescimento do número de negócios, tantas são as limitações regulatórias. Tudo isso tem impedido até aqui a livre e franca competição, ou seja, a liberdade para que as empresas concessionárias que exploram os portos organizados estabeleçam os preços dos serviços. 


Como observou o Ministério da Infraestrutura em nota divulgada à imprensa, essas mudanças ocorrem num momento em que os portos públicos registraram, somente no primeiro semestre de 2020, um aumento de 6,6% na movimentação de cargas, em comparação com o mesmo período de 2019. Diante disso, já não era sem tempo que medidas desse jaez fossem adotadas, garantindo a competitividade nos terminais instalados nos portos públicos, inclusive nos terminais de uso privado (TUPs), com a geração de incentivos para a atração de novos investimentos.


O texto aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal permite também a exploração por 48 meses, sem possibilidade de prorrogação, de áreas e instalações portuárias, o que deverá combater a ociosidade em áreas dos portos públicos, além de aumentar a receita das autoridades portuárias. Para atrair mais interessados, a nova legislação permite ainda que as empresas dispostas a investir em áreas portuárias façam, antes de assumir qualquer compromisso, testes de viabilidade de determinadas cargas, para que não venham a se deparar no futuro com situações inconvenientes e pouco lucrativas. 


Se essas e outras medidas que fazem parte da Medida Provisória irão produzir de imediato ou a longo prazo efeitos que possam redundar na redução dos custos logísticos, ainda não se pode estimar. O que de pronto se pode dizer é que, com essa nova legislação, o Brasil continuará longe do modelo landlord port, que funciona em Hamburgo, Roterdã, Gênova e outros portos europeus, que se caracterizam principalmente pela autonomia das autoridades portuárias que os administram. 


Afinal, mais uma vez, as determinações chegam impostas por Brasília, ou seja, desabam sobre os portos sem permitir que sua aplicação seja avaliada por uma autoridade local, como ocorria à época do Conselho de Autoridade Portuária (CAP), que reunia representantes dos empresários, dos trabalhadores e do próprio governo, com importantes atribuições deliberativas e não apenas consultivas. 


Como se sabe, o mundo que virá no período pós-pandemia deverá ser outro, pois muitas empresas passarão por um forte enxugamento de suas despesas, com o trabalho em regime home office cada vez mais incentivado e dinamizado, o que significa que muitos prédios e instalações deverão virar “elefantes brancos”. Como essa tendência haverá de se estender também às atividades portuárias, a liberdade para a aplicação da multifuncionalidade e de escalação eletrônica para os trabalhadores portuários avulsos que a nova legislação contempla será apenas o início de um mundo em transformação, que hoje é praticamente impossível de se imaginar.


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