Matheus Miler: Arrendamentos: como enfrentar a crise durante a crise

A redução de danos desde já, através de análises individualizadas e fundamentadas na teoria da imprevisão, pode flexibilizar o atendimento das exigências contratuais pactuadas

Por: Matheus Miler  -  10/06/20  -  21:53

A pandemia da covid-19 materializou uma ameaça que não consta em nenhuma matriz de risco dos contratos administrativos de arrendamento portuário. E a mitigação dos seus danos possivelmente não será alcançada pelos atuais instrumentos de reequilíbrio contratual, capitulado nas leis e normas infralegais que garantem o interesse público na continuidade da operação do contratante, e buscam equilibrar as bases econômicas e financeiras planejadas para o empreendimento.


No caso da atividade portuária, que é um elo essencial na nossa cadeia logística de suprimentos, a opulência ou não de seus resultados refletem o aquecimento ou enfraquecimento da economia. Por isso, é necessário analisar o impacto da pandemia no setor produtivo e nas cadeias de consumo nacional. O resultado do PIB brasileiro para o primeiro trimestre do ano, que apresentou retração de 1.5%, e os resultados da movimentação portuária até agora divulgados traduzem apenas os impactos iniciais que os períodos de quarentena local e global causaram à nossa economia. Infelizmente, e sem nenhum pessimismo (de que não sou adepto), parece que o pior ainda está por vir.


Para reforçar a dimensão da complexidade do momento, também precisamos considerar ao menos três fatores: (i) o sistema portuário não é homogêneo (diferentes processos produtivos ligados a diferentes cadeias logísticas) e o coronavírus impacta cada contrato de arrendamento portuário de uma forma (haja vista a interrupção das atividades no setor de turismo comparada à movimentação contínua de granéis); (ii) cerca de 190 contratos de arrendamentos portuários de longo prazo estão em vigor nos Portos Públicos e, tendo em vista que a vigência desses contratos pode chegar a 70 anos, é necessário admitir a mutabilidade da sua natureza; (iii) tais contratos não são uniformes no tocante à definição da matriz e alocação de riscos. Por isso, os impactos negativos na movimentação de cargas e/ou no aumento de custo na execução de suas atividades terão dimensões e “timings” distintos para serem sentidos, apurados e remediados em cada tipo de instalação portuária.


Na regra geral, para dar ensejo ao processo extraordinário de reequilíbrio econômico-financeiro, os contratos estabelecem aos arrendatários a obrigação de comprovar, além do seu prejuízo, o nexo de causalidade com a alegada externalidade. Os referidos contratos também não contemplam previsão expressa de “cobertura” para o risco de redução de resultados financeiros (retorno do investimento) oriundos da retração do mercado.


É possível, portanto, que mesmo com o reconhecimento da pandemia como evento de força maior, a eventual apuração de uma retração na movimentação de cargas não viabilize a revisão de ordem econômico-financeira. Porém, considerando a imprevisibilidade do final da pandemia, que depende da produção de uma vacina e/ou tratamento para a covid-19, o enfrentamento da crise durante a crise é primordial. E infelizmente, as medidas já adotadas, como a importante nota publicada pela a Antaq ao setor regulado e as ações normativas do Poder Concedente, ainda não oferecem o respaldo normativo necessário para os desafios impostos aos arrendatários.


Em uma análise rápida, conclui-se que não dispomos do arcabouço jurídico regulatório que dê suporte a uma resposta imediata por parte do Poder Concedente ou da Agência Reguladora, em relação às obrigações dos arrendatários ou, ainda, à revisão de prazos e custos dos contratos de arrendamento portuário em decorrência de eventual redução na movimentação de cargas causada pela pandemia. Porém, a redução de danos desde já, através de análises individualizadas e fundamentadas na teoria da imprevisão, pode flexibilizar o atendimento das exigências contratuais pactuadas – de que são exemplos: a suspensão do cronograma de investimentos, a isenção na cobrança MMC e a desoneração dos encargos contratuais, também de forma customizada, para garantir a continuidade das operações, a manutenção dos empregos e do fluxo de caixa dos arrendatários, de forma a possibilitar que os mesmos tenham condições de honrar com os principais compromissos assumidos na assinatura do contrato. Caso contrário, o impacto acumulado ao final da pandemia promete ser de difícil reparação.


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