Marcelo Sammarco: Liberdade econômica e preços praticados no setor portuário

Há uma linha divisória muito tênue entre estimular a livre concorrência e acionar ferramentas de controle para coibir eventuais abusividades

Por: Marcelo Sammarco  -  27/10/20  -  22:20

Nos últimos anos, o Brasil vem adotando uma política liberal visando potencializar o aporte de investimentos privados nos mais diversos setores da economia, incluindo os de infraestrutura portuária e de logística e transporte de cargas.


Clique aqui e assine A Tribuna por apenas R$ 1,90. Ganhe, na hora, acesso completo ao nosso Portal, dois meses de Globoplay grátis e, também, dezenas de descontos em lojas, restaurantes e serviços!


Prova disso é a Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874 de 2019), que estabelece normas de proteção à livre iniciativa e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador. A referida lei carrega no seu texto os princípios norteadores da liberdade econômica, cabendo destacar a liberdade como uma garantia no exercício das atividades econômicas e a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício destas atividades.


Claramente, a Lei de Liberdade Econômica tem por finalidade diminuir as barreiras de entrada de novos investidores privados no mercado brasileiro, numa visão desenvolvimentista, com o objetivo de aprimorar os níveis de infraestrutura, concorrência, eficiência e estimular preços mais razoáveis. 


De outro lado, estão preservados os mecanismos do Estado para coibir práticas anticoncorrenciais e abusivas através dos respectivos órgãos de controle, como, por exemplo, a Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) e o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), os quais tem maior interação com o setor portuário, que devem intervir no segmento regulado de forma subsidiária e excepcional, apenas nas hipóteses concretas em que se fizer necessário. Nesse aspecto, cabe destacar a Lei 13.848 de 2019 (chamada Lei das Agências), que estabelece a política de interação e cooperação entre os órgãos reguladores como forma de garantir a estabilidade regulatória dos setores regulados.


Há, no entanto, uma linha divisória muito tênue entre estimular a livre concorrência e acionar ferramentas de controle para coibir eventuais abusividades. Qualquer excesso no exercício do poder regulatório pode interferir negativamente na política de liberdade econômica. Resta saber: até que ponto o Estado deve interferir no setor regulado sem que isso resulte em amarras desnecessárias e desestímulo aos investidores? 


O país passou por essa experiência no setor bancário, em passado não muito recente. O excesso regulatório e a interferência do Banco Central na regulação de tarifas bancárias acabaram por desestimular a concorrência. E o resultado foi a fuga de diversos bancos estrangeiros, que perderam o interesse em explorar o mercado brasileiro. Com isso, houve redução na concorrência, o que é prejudicial na busca por eficiência e melhores custos.


Trazendo o tema para o setor portuário, o Porto de Santos teve nos últimos anos a entrada de novos players que atuam na operação de terminais portuários de contêineres. Com o aumento no número de operadores neste segmento, houve maior oferta de serviços, ganho de competitividade, eficiência e redução natural dos custos de determinadas operações, como o serviço remunerado sob a rubrica THC (Terminal Handling Charge). Tudo isso foi possível sem a necessidade de intervenção artificial do Estado na regulação dos preços praticados pelos operadores portuários nesse importante nicho de mercado. 


Desses dois exemplos, é possível extrair a conclusão de que quanto menor a interferência artificial do Estado, maior será a estabilidade e a competitividade, o que beneficia a eficiência e a moderação nos preços praticados no setor regulado. 


O tema ganha maior relevância nesse momento em que a Antaq está realizando estudos sobre eventual criação de franquia e preço-teto para o Serviço de Segregação e Entrega Imediata de Contêineres (SSE), o que implicaria em interferência artificial do Estado nos preços praticados na cobrança do referido serviço, podendo, eventualmente, estabelecer um perigoso precedente para interferência nos preços de outros serviços prestados nos setores portuário e de transportes. 


É certo que a lei assegura à Antaq o poder de intervir nas hipóteses em que se configurar abusividade na prática de preços de serviços portuários, incluindo o SSE. No entanto, adotar um preço-teto único e à nível nacional, em que pese as diferentes realidades dos diversos portos e regiões do país, não parece ser a melhor solução na busca da estabilidade regulatória, garantia de competitividade e de liberdade da atividade econômica desenvolvida pelos operadores portuários. 


Como a própria experiência brasileira mostra, interferir direta e artificialmente em preços não se revela uma solução positiva em médio e longo prazo, na medida em que desestimula novos investimentos e restringe o campo de concorrência, acarretando indesejável perda de eficiência. Nesse aspecto, a intervenção excepcional do Estado nos casos concretos em que se configurar abusividade de preços se apresenta como medida mais acertada, sem nenhum tipo de “tabelamento” ou pré fixação artificial de valores. De outro lado, cabe ao Estado acionar mecanismos de estímulos à concorrência e livre iniciativa, visando melhores níveis de eficiência e menores custos, de forma natural, como fruto de competitividade no ambiente portuário.


Logo A Tribuna
Newsletter