Frederico Bussinger: Subsídios do TCU para o debate portuário

Narrativa do relatório passa a ideia de algo entre o inevitável e o acaso, tema a merecer melhor análise nesse prenúncio de inflexão de modelo

Por: Frederico Bussinger  -  05/06/20  -  20:26

“Jabuti pendurado em árvore: foi enchente ou mão de gente” [Sabedoria popular]


Ainda não é oficial: depende do relator, min. Bruno Dantas, e do plenário do TCU. Mas os fatos e dados, revelados nas 79 pgs (520 itens) de relatório técnico, trazido à baila esta semana, por si só são eloquentes. E mais que oportunos, no momento em que se ensaia nova inflexão no modelo portuário brasileiro: importante subsídio aos debates, mesmo antes da decisão final do TCU!


O relatório, obtido via “Lei de Acesso à Informação” pela Federação Nacional dos Operadores Portuários (Fenop), sistematiza “achados” da auditoria feita pelo SEINFRA, desde AGO/19, e discutida em seminário (FEV/20). Esse vasto acervo fornece boa radiografia dos nossos portos hoje.


Na atual conjuntura nacional, era de se esperar que aspectos como loteamento político e escolha de gestores sem qualificações chamassem logo atenção. Principalmente como explicação (quase álibi!) mais à mão para ineficiências e corrupção nas gestões das administrações portuárias (Item-400 em diante; particularmente 426). O que surpreende é a reprodução de tais diagnósticos (promessas e recomendações) mesmo 13 anos após a criação da Secretaria de Portos – SEP (hoje SNPTA). Isso porque o fim de tais práticas, e a implementação de “choque de gestão”, foi uma das justificativas de criação da Secretaria e bandeira de todos os dirigentes que por ela passaram ... sob quatro diferentes gestões presidenciais (Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro)!


Mas o relatório é também subsídio para avaliações do modelo consolidado pela Lei dos Portos de 2013 (tema da minissérie da coluna desde 8/MAI/20). Não exatamente pelas conclusões (Item-471) e encaminhamentos (520), mais relevantes pela grife do TCU que pelo ineditismo, mas pelos fatos, dados e análises de 71 das 79 páginas. Aliás, os apressados que as pularem, indo diretamente para os itens finais, podem ficar com a impressão de que déficits de desempenho, observados em portos brasileiros, se limitam às autoridades-administradoras – AAP. E que eles resultam da combinação de gestão estatal, com loteamento político, desqualificação de dirigentes e burocracia (rótulo impreciso, pronto para explicar tudo... ou nada).


O escopo analítico dos 470 primeiros itens, todavia, é mais amplo no intuito de explicar “as limitações dos portos organizados em comparação com os TUPs”: eles abrangem outros atores portuários e o zoom das conclusões e encaminhamentos sobre as AAPs alcança o porto, em suas diversas dimensões, interfaces e complexidades. E até logística. A tal burocracia passa a ser vista no contexto do processo decisório, da governança e de políticas públicas: corajosamente, nem o envolvimento que o TCU passou a ter no processo decisório escapa!


A auditoria confirmou a hipótese inicial: há assimetria entre portos organizados e TUPs (Item-87). E hierarquiza as razões da preferência por este (Item-109): mais de 50% é explicado por apenas dois autonomias. Quais sejam: de projeto e operacional.


Entretanto, as razões e os processos que propiciaram aos TUPs a ampliação de escopo de atuação e ganho de autonomia, enquanto portos públicos seguiam caminhos inversos, contrariando inclusive benchmarking internacional (Item-118ss), não chega a ser explicado pela auditoria (com mais prazo talvez o tivesse feito). Tampouco as implicações, incluindo perdas de oportunidades e desperdício de recursos; bem exemplificado pelo “case” de Itajaí (Item-113).


A narrativa do relatório passa a ideia de algo entre o inevitável e o acaso, tema a merecer melhor análise nesse prenúncio de inflexão de modelo


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