Frederico Bussinger: São Sebastião: privatização destravará desenvolvimento?

Se não quiserem reinventar a roda, o processo de São Sebastião tem como ser concluído bem antes do de Santos

Por: Frederico Bussinger  -  25/09/20  -  17:04

“Não se pode desejar melhor nem mais tranqüilo ancoradouro que o canal de São Sebastião. Rodeado por terras muito elevadas os navios aí estão como em um tanque” Manuel Pimentel, cosmógrafo português, 1710


“... e dá bom surgidouro às embarcações por seu fundo vasoso, ... e puderem sair a toda hora, tanto pela entrada do norte como pela do sul...” (sic) Milliet de Saint-Adolphe, Dicionário do Império do Brasil, 1845


Pouco convincente a explicação (“economia processual”) para São Sebastião e Santos estarem juntos no pacote do BNDES recém contratado. Menos mal que o líder do consórcio logo informou que haverá 2 leilões; justificando: “são sinergias que não se misturam por conta do foco”... algo óbvio “para 9 entre 10 estrelas do cinema”, como se dizia antigamente!


Desde o Brasil-colônia, sua vocação portuária é conhecida. Pudera. Sítio privilegiado (entre os melhores do planeta!), reúne 3 atributos raros de coexistirem: é abrigado, não-estuarino (menos dragagens!) e com águas profundas (25 metros mínimos!). E mais: navios com duas entradas, 100 km do pujante Vale do Paraíba e rico interior paulista acessável sem se cruzar a metrópole paulistana (com a duplicação da Rodovia dos Tamoios, em curso, melhor ainda).


Desde 1939, planos para aproveitar a área se sucedem. A Petrobras levou-os adiante: inaugurou em 69 o Tebar, hoje operado pela Transpetro, para petroleiros de até 400 metros. Já o porto público, inaugurado em 55, veio a ser delegado ao Governo do Estado de São Paulo - GESP (JUN/07), visando sua modernização e expansão.
Em dois anos, foi concebido e amplamente discutido (152 reuniões, 22 de grande porte) o “Plano Integrado Porto-Cidade – PIPC”, que ainda articulava acesso rodoviário (Tamoios) e plataforma logística no planalto.


O EIA-RIMA, baseado em Termo de Referência acordado entre as agências ambientais, com apoio de reconhecidas empresas de análise de mercado, engenharia e ambiental, foi protocolado no Ibama (SET/09).


Investimentos paralelos do GESP (R$ 290 milhões desde a delegação), se não resultaram em ampliação proporcional do movimento (489 milhões de toneladas em 07 a 742 mt em 19, após picos acima de 800 mt em 08 e 12), permitiram ao Porto, p.ex, ser base para implantação das dutovias de Mexilhão e Tupi, da Petrobras, e de mega-tanques da Dedini, usando contratos temporários, recém ressuscitados (Lei nº 14.047/20).


O Ibama agendou audiências públicas para FEV/10 em São Sebastião e Ilhabela, suspensas na véspera, surpreendentemente, por pedido do GESP.


Remarcadas para DEZ/11, mobilizaram mais de mil participantes cada, por mais de 6 horas, acelerando a Licença Prévia-LP (nº 474), expedida em DEZ/13.


Novo percalço: mesmo ante o transparente e participativo processo, a Licença Provisória (LP) enfrentou ação civil pública e foi suspensa (JUL/14). Após idas e vindas, recursos de apelação aguardam, desde ABR/19, na Justiça Federal de Caraguatatuba, subir ao 2º grau. Duas dúvidas: i) Tivesse o GESP, na Justiça, o empenho que teve para investir, estaria a LP nessa situação sete anos depois? ii) Será que as elites econômica, acadêmica e da mídia, que desalojaram os caiçaras e “privatizaram” parte relevante do Litoral Norte, bem-sucedidas até agora na instrumentalização do ambientalismo e da mídia, e em escaramuças jurídicas, terão o mesmo sucesso no processo de privatização?


Plano, projeto (incluindo acessos) e EIA-RIMA concluídos. Apesar de judicializada, LP concedida. Diversos interessados. Assim, se não quiserem reinventar a roda, o processo de São Sebastião tem como ser concluído bem antes do de Santos. Aliás, por que não se separar os dois processos e tocá-los em paralelo?


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