Frederico Bussinger: Reforma portuária, legado da covid

Debates ocorridos, com painelistas de perfil heterogêneo (visão e interesses), trouxeram à baila pontos controversos do texto, o que exigirá habilidosa regulamentação

Por: Frederico Bussinger  -  14/08/20  -  23:29

“Jabuti pendurado em árvore? Foi enchente ou mão de gente” (Sabedoria popular)


A MP-945 agora é PLV-30/20. Gestada sob o “Estado de Calamidade Pública”, para regrar o dia a dia em portos e aeroportos na quarentena, seu escopo foi ampliado: nada inusitado no Congresso e, no caso, cenário previsível (AT-10/ABR/20). Resultado? Texto atípico: conteúdo transitório o encabeça; já o estrutural, o permanente pós-covid, é um agregado! 


Do mérito, vem sendo destacado o que ele consagra em lei (positivar, no jargão jurídico): práticas ensaiadas, mas depois vedadas; tipo contratos temporários e arrendamentos diretos. Mas o PLV também “des-consagra” conceitos e mecanismos hoje previstos (seria “negativar”?), mesmo com redações nebulosas: p.ex, a exclusão de modicidade, qualidade, publicidade e direitos dos usuários, tanto das “cláusulas essenciais do contrato” de arrendamento (art. 5-C), como das diretrizes (art. 3º, II, da Lei nº 12.815/13) de exploração (abrangeriam TUPs?). Registre-se: estas foram lá positivadas como meio visando ao objetivo: “aumentar a competitividade e o desenvolvimento do País”.


Agentes do governo, representantes de TUPs e de arrendatários celebraram a correção de “atecnias” (acostume-se, deveremos ouvir bastante!): não deixa de ser curioso, vez que muitos foram personagens centrais na elaboração e na mobilização pró-aprovação da então MP-595. E seguem enaltecendo-a! Mas ambos têm, mesmo, motivos para celebrar: governo, mais pela desvinculação do regramento de concessões daquele dos arrendamentos (novos arts. 4º e 5º-A), reduzindo imprevisibilidades e riscos para o intento de desestatizar autoridades-administradoras; já os terminais, na perspectiva de redução de regulação e controle sobre suas atividades e atuação comercial, inclusive já pleiteando estender as inovações para contratos vigentes.


Por outro lado, arrendamentos diretos (art. 5º-B) e contratos temporários (art. 5º-D), respostas ao acessório do relatório do TCU, são saudados como instrumento “desburocratizador”. Certamente o é, mas essa é uma interpretação superficial, patrimonialista e que pode limitar o alcance desses (importantes e bem-vindos!) mecanismos.


Arrendamentos diretos, prática corrente em portos de referência mundial, têm fundamento conceitual: decorre da visão de porto como instrumento de desenvolvimento regional, e da autoridade portuária como responsável, ante a sociedade, por geri-lo.


Ou seja, uma visão funcional que, aliás, também fundamenta contratos temporários, que não deveriam se restringir a “cargas não consolidadas”, vez que o universo de usos dos portos vai muito além de arrendatários e operações experimentais! 


Ante desafio similar, o mercado imobiliário, p.ex, combina formas distintas de propriedade, uso e cliente para oferecer “produtos” específicos: casa própria (analógico a terminais dedicados), aluguel (arrendamentos), hotel/motel (operações em cais público) e apart-hotel (tipo contratos temporários firmados em São Sebastião para implantação do Gasoduto Mexilhão e Tupi; e com a Dedini para montar mega-tanques de suco de laranja – essas experiências, inclusive, subsidiaram iniciativa da Antaq de regrá-los –R-2240/11 e RN-7/16).


Debates ocorridos, com painelistas de perfil heterogêneo (visão e interesses), trouxeram à baila pontos controversos do texto, o que exigirá habilidosa regulamentação. E, provavelmente, batalhas por interpretações para se resolver lacunas, conflitos (antinomia) e novas “atecnias” vislumbradas no conjunto de leis que balizam o modelo portuário, prestes a ser ampliado.


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