Frederico Bussinger: Portos: uma pausa para reflexão

Não há prazo determinado, nem configuração definida, para o “novo normal” pós-covid. No que toca ao setor portuário, porém, já surgem esboços no horizonte

Por: Frederico Bussinger  -  29/05/20  -  21:49

Não há prazo determinado, nem configuração definida, para o “novo normal” pós-covid. No que toca ao setor portuário, porém, já surgem esboços no horizonte: conjunção de revisões de planos diversos e privatizações (formalmente, desestatizações!) de duas importantes autoridades-administradoras portuárias.


O BNDES licita modelagem do maior porto latino-americano (Santos) e da centenária “grande promessa” (São Sebastião). Este, você sabia, é um dos cinco maiores complexos portuários brasileiros em movimentação? Que, acessado por canal natural (“dragagem-free”) de águas profundas, está entre os melhores sítios portuários do planeta? Pois é!


No outro front: i) EPL revisa o PNL, ao qual se fundirá o PNLP; ii) Novo PDZ do Porto do Itaqui-MA substitui o de 2012 (DOU de 21/MAI); iii) O texto do PDZ de Santos, já encaminhado ao Ministério da Infraestrutura, segue desconhecido; talvez pela nova e singular visão revelada pela Santos Port Authority (SPA, ex-Codesp), em recentes reuniões com entidades, quando apresentou a estratégia de revisão: “PDZ é instrumento discricionário da administração do Porto”!


Mas agora, ao menos, na longa e proveitosa videoreunião na FIESP, em 20/MAI, o secretário Diogo Piloni e o diretor Bruno Stupello da SPA (ex-Codesp) deixaram mais claras diretrizes, zoneamentos e interfaces.


Para além da perspectiva de novas governanças e de novos planos, seria alvissareiro se o “novo normal” também incorporasse novos padrões de execução. Para tanto, nada melhor que bons exemplos, boas práticas. Já contei diversas vezes. Mas, cobrado em feedback pessoal no artigo anterior, vale relembrar:


SET/2008, Cingapura. Participava do “LatinAsia” (conferência de investidores asiáticos interessados na América Latina). De última hora, fui escalado para workshop no ministério responsável pela gestão do território. Com secretários estaduais e dirigentes de algumas agências, fomos informados do processo histórico de agregação de áreas marítimas (que lhe permitiu crescer uns 30%); de como sua população é provida de água, sendo escassas suas fontes naturais. Enfim, da estratégia (bem sucedida!) daquela cidade-estado quanto às infraestruturas e serviços públicos.


Ao final, aberta a palavra, um secretário, de importante estado brasileiro, intrigado, questionou: “Bem: isso é o planejado. Mas o que a acontece na prática?”. A segura e preparada executiva sino-descendente respondeu de bate-pronto: “O que é planejado acontece!”.


Inconformado e, aparentemente, incrédulo, o secretário repicou: “Sabemos que uma coisa é o planejado; outra, bem diferente, é o que é realizado. Como isso é aqui tratado?” A resposta foi pronta; impávida: “O que é planejado acontece!”. Ele tentou uma terceira e quarta investida, com formulações variantes. Nossa anfitriã, agora já meio sem jeito, mas com a delicadeza oriental, procurou esquivar-se e assumiu a precariedade do inglês do secretário: “Talvez estejamos tendo alguma dificuldade de comunicação...”.


Diante da situação, e já convicto de que, pela cabeça daquela senhora, jamais poderia passar a ideia de que algo planejado não fosse executado, pedi licença para participar do diálogo: “A pergunta está bem feita. A resposta está bem dada. A dificuldade, me parece, está na diferença de culturas”: seja quanto ao processo de planejamento, seja quanto do “law enforcement”.


Em 2012, participei de outro evento em Cingapura. Encontrei-me com a apresentadora de quatro anos antes. Ela se lembrou do episódio. Nos despedimos, eu com a certeza de que ela sequer havia entendido aquela pergunta. Porque lá, que não é exemplo isolado, “o que é planejado acontece!”.


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