Frederico Bussinger: Landlordismo manco nos portos brasileiros

Ironicamente, a autonomia, da qual as autoridades-administradoras (AAs) públicas foram privadas, pode estar a caminho por caminhos inesperados

Por: Frederico Bussinger  -  07/02/20  -  21:11
Portos brasileiros estão hoje travados, principalmente os públicos; é o diagnóstico majoritário
Portos brasileiros estão hoje travados, principalmente os públicos; é o diagnóstico majoritário   Foto: (Ilustração: Monica Sobral)

O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, é enfático: “descumprimos” premissas “cruciais para o sucesso dos portos europeus”. Pertinentes suas perguntas: I) Quais premissas? e II) Por quê?


O modelo europeu, adotado por quatro de cinco portos, não é monolítico. Nem mesmo na Europa. A periódica pesquisa da European Sea Ports Organization (ESPO), referência-top de Governança Portuária, combina duas tipologias ao enquadrar mais de 200 portos: I) geo-governança; e II) perfil.


Há cinco grupos de geo-governança: I) “Hanse” (Alemanha, Islândia, Noruega, Finlândia, Suécia, Dinamarca, Holanda e Bélgica); II) “New Hanse” (Estônia, Letônia, Lituânia e Polônia); III) “Anglo-Saxão” (UK e Irlanda); IV) “Latim” (França, Portugal, Espanha, Malta, Itália, Grécia, Chipre e Israel) e V) “New Latim” (Eslovênia, Croácia, Romênia e Bulgária). E três perfis: “Conservador”; “facilitador” e “empreendedor”.


Mas duas “premissas” os unem: separação das funções de operação e administração, e autonomia das autoridade-administradoras (AA).


A separação de funções está concluída; é realidade plena no Brasil. A autonomia, porém, após avanços no imediato pós-93 (talvez caudatários do participacionismo na redemocratização da virada 80/90), mudou o rumo na segunda metade dos anos 90: paulatinamente o processo decisório foi sendo re-centralizado.


O Grupo Executivo para Modernização dos Portos (Gempo), criado em 95 para coordenar a implantação do novo modelo que, àquela altura, já estava a todo vapor, foi a primeira volta no parafuso. Para viabilizar os programas de concessões, na segunda metade dos 90, houve uma onda de agências: no seu rastro surge a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), em 2002; sem se considerar que a Lei já atribuía às AAs diversas funções regulatórias.


O Decreto nº 6.620/08 veio com o objetivo declarado de resolver o tal imbróglio da carga própria: a MP-595/12 é prova de que ele acabou não o “resolvendo”; apesar do sucesso naquilo que muitos consideram o real objetivo do decreto: re-centralizar o processo decisório e empoderar a Secretaria Nacional de Portos (SEP), criada no ano anterior.


Na sequência Plano Nacional de Logística de Transportes (PNLT), Plano Nacional de Logística Portuária (PNLP), Plano Nacional de Dragagem (PND), padronização dos Planos de Desenvolvimento e Zoneamento (PDZs).


Sempre: I) sob coordenação de algum órgão federal de Brasília, e II) criando irresolvidas zonas cinzentas com as AA; que, após conduzirem as bem-sucedidas reformas dos anos 90, viram -se taxadas de incompetentes! A MP-595/12, gênese da Lei nº 12.815/13 (Lei dos Portos vigente), foi baixada para sacudir a poeira e produzir “o maior programa de investimentos em portos brasileiros”. 


Para tanto: I) equiparou TUPs aos arrendamentos, como solução para o vetusto imbróglio da carga própria; e II) centralizou, na SEP e Antaq, as decisões estratégicas: planejamento, licitação e contratos de arrendamentos, tarifas etc.


Assim, Sr. ministro, efetivamente nessa “premissa” (ou pilar) os portos brasileiros falharam: se distanciaram da “melhor prática internacional”. Vale aduzir: I) houve um sopro de autonomia “europeia” nas AAs em meados dos anos 90; mas durou pouco, seguida de progressiva re-centralização; II) esse processo não ocorreu aleatoriamente: uma conjunção de interesses o viabilizou; restando avaliar-se a participação dos componentes corporativo, empresarial e político-partidário nesse desiderato.


Os portos brasileiros estão hoje travados, principalmente os públicos; é o diagnóstico majoritário. Remédio oferecido? Privatização das AAs!


Ironicamente, a autonomia, da qual as AAs públicas foram privadas, pode estar a caminho por caminhos inesperados; pois difícil imaginar-se haver investidores interessados sem autonomia de gestão; não parece óbvio?


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