Frederico Bussinger: Gestão privada sempre foi a regra nos portos brasileiros

Hoje, empresas privadas são responsáveis por quase 100% das operações portuárias no Brasil

Por: Frederico Bussinger  -  10/07/20  -  20:05
Hoje, empresas privadas são responsáveis por quase 100% das operações portuárias no Brasil: TUPs por 2/3. Salvo curto interregno (era-Portobras - 1975/90), esse é o nosso padrão histórico. Surpresa? 

Quando emitida a MP-595 (2012), embrião da atual Lei dos Portos, o “market share” dos “terminais de uso privativo” (hoje “privados”), os TUPs, era 65%. Na véspera da criação da SEP: 63%. Da Antaq: 66%. Da Lei dos Portos de 1993: 75%. Mesmo sob a Portobras, os TUPs lideraram: de 51% em 1980 (já com as Docas na “holding”), passou em 1990 (quando autorizada sua dissolução) a 77% (ou 2/3 se excluído o minério da Vale). 

Enfim, o volume operado nos cais públicos nunca chegou próximo aos dos TUPs no passado recente. E uma intrigante curiosidade: no período Portobras, tido como “estatista”, os TUPs foram de 51% a 77%. Já na vigência da “privatizante” Lei de 93, as operações em cais públicos cresceram de 25% a 35%!

O mesmo se dá com a administração: Santos, p.ex, esteve sob a Companhia Docas de Santos - CDS (privada) até 1980. Os demais portos até um pouco antes: o Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis - DNPVN, criado por Getúlio Vargas (Decreto nº 23.067/33), foi reestruturado por João Goulart (Lei nº 4.213/63). A partir daí passou a ter a faculdade de incorporar e/ou fundir sociedades de economia mista com tal função. 

Castello Branco deu outra volta no parafuso: fixou como prioridade do governo, recém iniciado, a “Reorganização do Sistema Portuário Nacional” (Decreto nº 54.046/64). Ao DNPVN, coube coordenar o projeto. E no rol de incorporáveis, foram incluídas empresas privadas, exceto “as concessões que se manifestem econômica e administrativa satisfatórias” (art. 3º): como, na prática, todos os principais portos foram integrados ao “Sistema-Portobras” (salvo engano, exceto Imbituba), pode-se supor que suas situações não eram assim tão “satisfatórias”, certo?

Reforça essa hipótese o diagnóstico, dois anos depois, de que “as diversas medidas para corrigir as distorções ora existentes ... não têm proporcionado os resultados tão eficazes quanto o exige a atual conjuntura nacional” (Decreto-Lei nº 5/66), que foi base para normas e programas abrangentes para recuperação econômica de portos, da Marinha Mercante e da RFFSA. Esta, ironicamente, havia sido criada em 1957 precipuamente com a missão de sanear 22 concessões (privadas) em situação pré-falimentar, cujos déficits, no ano anterior, montavam agregadamente a cerca de 14% da receita tributária da União (como referência: em 2019 tais receitas foram de R$ 1,57 trilhão!).

Finalmente, os serviços portuários conexos, como transporte rodoviário, são privados desde sempre. Os ferroviários voltaram a ser. E, a partir de 1985, também cresceu a participação privada na armazenagem, com a regulamentação dos Terminais Retroportuários Alfandegados, TRAs.

Em síntese: operação e administração portuária privadas têm sido a regra na história portuária brasileira. Exceção, ao contrário do que se imagina, é a participação de empresas estatais!

OK! Então a ideia de privatização (desestatização) dos portos capixabas, de Santos, São Sebastião e Itajaí seria uma volta ao passado? Não!

Gestão descentralizada, autonomia e a clara separação das funções de operação, das de administração (e autoridade) portuária são apenas algumas das inúmeras diferenças, institucionais e conjunturais, entre as hipóteses de governança hoje cogitadas e aquele modelo que, concebido no Império, foi praticado por quase um século pelos portos brasileiros: temas para próximos artigos.

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