Frederico Bussinger: Geração de valor portuário. Que valor? Pra quem?

Métrica do cifrão portuário agora é valor, geração de valor (a partir de 'ativos'). Mas sua aplicação ao ambiente portuário pode ser mais complexa do que parece

Por: Frederico Bussinger  -  06/03/20  -  22:28
Geração de valor portuário. Que valor? Pra quem?
Geração de valor portuário. Que valor? Pra quem?   Foto: (Ilustração: Padron)

Do ponto de vista econômico-financeiro, as reformas portuárias do início dos anos 90 visavam reduzir custos: os portos brasileiros eram muito caros, argumentava-se naquele imediato pós-Constituinte. Um pouco mais adiante, quando iniciados os programas de arrendamento, o foco da discussão passou a ser o valor de outorga (parcela fixa, variável, “sítio padrão” e ágio). Se não fossem tão altos, os preços portuários/logísticos seriam reduzidos, era a justificativa.


Já no século XXI, passando pelo PAC, o Dec. nº 6.620/08 e a MP-595/12, a motivação declarada passou a ser investimentos. Aliás, curiosamente, a MP foi apresentada como um “programa de investimentos”, ainda que tenha sido instrumento, na verdade, para consolidar um processo de recentralização do processo decisório: alterações profundas no modelo portuário brasileiro.


O discurso do momento: a métrica do cifrão portuário agora é valor, geração de valor (a partir de “ativos”). Ela baliza a elaboração dos instrumentos de planejamento, EVTEAs para arrendamentos e modelagens para privatizações das empresas que exercem as funções de autoridades-administradoras (AA). A se registrar, porém, que dele pouco se ouve falar nas autorizações (TUPs).


O conceito não é novo. O instrumental é conteúdo básico e essencial nas escolas de economia e administração. No mundo dos negócios, é jargão corrente. E até há aplicativos (alguns gratuitos) que o calcula. Sua aplicação ao ambiente portuário, todavia, tanto não é automática como pode ser mais complexa do que parece; dado: I) o papel que têm os portos de agentes de desenvolvimento; e II) sua modelagem público-privada (com múltiplas autoridades e múltiplos atores privados), amplamente majoritária no mundo.


Desde logo importante ser estabelecido: valor das empresas (terminais, AA) ou valor da riqueza gerada (PIB agregado)? Não obrigatoriamente são objetivos confluentes: não se pode descartar, p.ex, a hipótese de uma AA de valor baixo estar alavancando um PIB maior que uma de valor mais elevado (absoluto ou proporcional). Por outro lado, o agronegócio reivindica custos logísticos menores (o que, para dada eficiência, comprimiria o PIB das empresas da cadeia logística), com a promessa de alavancar o PIB no campo.


A se considerar apenas o valor agregado? Ou também o valor “queimado” com a modernização, ampliação ou implantação de um novo terminal; sejam eles arrendamentos, sejam eles TUPs contíguos à poligonal de um deles? O Estuário de Santos tem exemplos tanto de uns como de outros. Vale também para infraestruturas: p.ex o balanço dos investimentos/ativos rodoviários e ferroviários (parque instalado), como decorrência de um projeto de aumento da participação do modo ferroviário na matriz de transportes.


Normalmente tais valores estão associados a ativos e resultados operacionais. Todavia, em se tratando de portos de arranjos multi-atores (privados e públicos), o valor de um terminal (arrendamento ou TUP) ou AA pode também estar correlacionado aos processos decisórios. E, claro, a seus riscos. P.ex, quanto ganham eles se tendo autonomia de gestão? Quanto perdem como resultado de riscos maiores de licenciamento ambiental ou postergação de “n” meses (anos?) da liberação dos órgãos de regulação e controle para licitação?


A própria fundamentação da origem desses valores, tanto quanto a destinação do resultado de suas transferências, não é algo pacificado. Susceptível, sim, de discussão.


Enfim, se essa é para ser mesmo a métrica doravante, que ao menos esteja mais clara e assentada, não?


Logo A Tribuna
Newsletter