Frederico Bussinger: Dragagem condominial

Nesta edição da coluna, o consultor, engenheiro e economista tenta entender as especificidades desse tipo de dragagem

Por: Frederico Bussinger  -  12/04/19  -  23:42

“O olho do dono engorda o gado” - Dito popular


Cada porto tem suas especificidades. Mas duas ideias/propostas foram retomadas e centralizam a atual agenda portuária brasileira – em muito anabolizadas por uma visão que desconsidera falhas da iniciativa privada, ao tempo em que lhe atribui o monopólio das virtudes: I) privatização das administrações portuárias; e II) privatização das dragagens; caminhos, em princípio, mutuamente excludentes, certo?


Registre-se que privatização da dragagem é uma simplificação: por ser meio/instrumento, mais próprio seria defini-la como privatização de gestão da infraestrutura aquaviária; aí incluídos sinalização, balizamento e, quiçá, até VTMS e/ou controle de acessos.


As docas hoje contratam a dragagem, em si. Pelo noticiário, o modelo cogitado é de concessão dos serviços; como se discutiu na consulta e audiências públicas de 2015 visando “concessão de acesso aos portos organizados”: um concessionário, provavelmente escolhido em leilão, assumiria tais funções; hoje núcleo das atribuições de administrações portuárias (art. 17, § 1º da Lei). Ou seja, é quase como se os portos públicos passassem a ter duas delas!


Os recorrentes imbróglios com dragagem têm mais a ver com o processo decisório do modelo vigente que com a gestão dos serviços. Mas, se a opção é por privatizar tais funções (difícil imaginá-lo em portos referência mundial), o modelo aventado não é a única alternativa: um condomínio de arrendatários, eventualmente operadores e TUPs, onde houver, pode bem desempenhar tal função. E até com algumas vantagens. Quais as diferenças?


Ambos os modelos precisam/devem ser sustentáveis econômico-financeiramente. Uma “Sociedade de Propósito Específico” – SPE é juridicamente indicada para ambos. Mas, enquanto a concessão é um negócio em si, a dragagem condominial é uma atividade complementar (à obrigação principal: o arrendamento). Enquanto aquela, por sua natureza, é um “centro de lucro”, esta está mais para um “centro de custos”. Aquela introduzirá um novo ator na já complexa comunidade portuária; esta é um novo arranjo (obrigatório ou facultativo) de atores pré-existentes. Atores, importante registrar, que são os mais interessados em que a dragagem seja executada e, em última instância, que a infraestrutura aquaviária seja provida e operada com eficiência e previsibilidade.


Basicamente, o projeto, condições de participação nos investimentos e formas de rateio dos custeios (com alguma forma de proporcionalidade), e regras de funcionamento seriam estabelecidos em “convenção de condomínio” a ser aprovada pelos “condôminos” iniciais e, também, pelas autoridades competentes. No limite, dependendo do papel estratégico da outorga, pode-se cogitar de “golden share” da administração portuária ou de algum órgão público.


Não é líquida e certa a inexigibilidade de licitação para outorga ao condomínio; hipótese a ser construída. Mas há (bons) argumentos apontando para a razoabilidade do modelo e, até, para obrigatoriedade de participação; imprescindível para sua legitimidade e, daí, sua legalidade. 


Por que e para que introduzir-se mais um ator nessa já complexa comunidade? Por que uma interface a mais, mormente em se tratando de atividade-meio e tão estratégica? “O olho do dono engorda o gado”.


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