Frederico Bussinger: Auditoria portuária do TCU: copo meio cheio e meio vazio

A partir da boa reportagem do TCU, análises causa-efeito precisarão ser aprofundadas para se lograr um diagnóstico mais consistente

Por: Frederico Bussinger  -  23/10/20  -  19:43
 Matheus Miler: O futuro dos portos públicos e as convenções coletivas
Matheus Miler: O futuro dos portos públicos e as convenções coletivas   Foto: Ilustração: Padron

Agora é oficial. O acórdão do plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) ratifica a auditoria operacional da sua área técnica. Esta, em 79 pgs e 520 itens, sistematizou dados e fatos comprovando haver no Brasil, para o bem ou mal, dois regimes portuários distintos. Aliás, como o vaticinou a ex-pres. Dilma ao lançar a MP-595 (45m36), base do modelo vigente.


O relator dessa vez alinhou-se à área técnica. Seu voto agrega mais 17 pgs e 151 itens à análise. Em síntese, duas determinações e sete recomendações com a intenção de sanear as assimetrias entre arrendamentos e TUPs, atribuídas aos cinco “achados”: i) processo licitatório para arrendamento complexo, rígido e moroso; ii) arrendatários sem flexibilidade para adaptações ao mercado; iii) limitação dos terminais arrendados provocada pelo monopólio do Ogmo; iv) prestação de serviços das autoridades portuárias prejudicada pela dificuldade de contratar e falta de recursos; v) gestores sem qualificação técnica ou gerencial.


Alguma surpresa? Ainda que se possa discutir a caracterização e relevância desses “achados”, eles são frequentadores habituais de notícias, seminários e webinars. E de há muito, o que não minimiza a importância do Acórdão do TCU: doravante, eles poderão ser citados já não mais como mera opinião, mas como realidade comprovada pelo TCU. E com sua grife que, de uns tempos a essa parte, passou a ter grande peso e significado.


Constatação de relevância discutível, a ociosidade de áreas nos portos públicos (item-472ss) ganhou destaque, tanto no relatório da auditoria como no voto e acórdão. O ministro entende ser “apropriado investigar as causas” (89) e o recomenda. Como hipóteses: “rigidez do modelo e gargalos da administração pública”. Curioso é que a esmagadora preferência dos investidores por TUP (475ss, 507, 512), 86% entre atuais arrendatários e 96% dos TUPs, não é associada à ociosidade nem arrolada como causa!


A governança de Antuérpia é citada em tom elogioso (126). É informado: metade do conselho é de políticos e metade de empresários (melhor seria caracterizá-los como sendo da sociedade civil). Curioso: na Bélgica tudo bem, mas no Brasil indicações políticas é a “geni” da vez, e explicação para quase todos os males portuários! 


A centralização do processo decisório ora é apontada como causa do atual quadro (p.ex: 158ss; 161ss; 169; 192; 233ss; 242; 497); ora é defendida (57ss). O que se conclui? O certo é que nenhuma das determinações ou recomendações trata do tema. Aliás, elas são no geral poucas e tímidas, bem aquém do robusto relatório: parecem até duas peças distintas!


Flexibilidade e autonomia são tanto o principal destaque do benchmarking internacional (Roterdã, Antuérpia, Houston, Espanha, Londres, Austrália e Portugal), como “objeto de desejo” do universo de atores entrevistados. Mas como compatibilizá-las com a ideia do planejamento centralizado? E dos “clusters” pré-definidos? 


Perdas de oportunidades de investimentos, devido à centralização e morosidade, são apontadas (113ss). Mas o relatório não chega a quantificá-las, da mesma forma que perdas de valor de ativos dos portos públicos, algo qualitativamente evidente.


Esses são alguns exemplos a indicar que, a partir da boa reportagem do TCU, análises causa-efeito precisarão ser aprofundadas para se lograr um diagnóstico mais consistente; inclusive para fundamentar a defesa da “desestatização” como remédio genérico para todos os males (470): essa tarefa pode ser feita em uma próxima auditoria operacional. Mas por que não também pela “comunidade portuária” e pela sociedade civil?


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