Alexandre Machado: Que porto queremos para Santos?

O Porto de Santos é realmente paradoxal, mesmo diante de sua importância nacional e das diversas discussões, tudo acontece muito lentamente

Por: Alexandre Machado  -  13/10/20  -  21:35
No ano passado, cais santista recebeu 1.683 embarcações de origem chinesa ou com escalas no país
No ano passado, cais santista recebeu 1.683 embarcações de origem chinesa ou com escalas no país   Foto: Luigi Bongiovanni/ AT

O Porto de Santos é realmente paradoxal, mesmo diante de sua importância nacional e das diversas discussões sobre privatização ou estatização, a construção de um túnel submerso ou ponte, dragagem de manutenção e aprofundamento, expansão portuária e outros. Tudo acontece muito lentamente …


Analisando as adaptações sofridas no pequeno Porto de Sines (Portugal), observa-se o quanto de interferência política sofremos e como pouco se estuda o problema de forma técnica – sem interesse (econômico/político). Longe de achar que não seja necessária a ação política, mas o conhecimento técnico e as experiências de quem já fez ajudariam bastante na sua otimização.


Nesse sentido, uma análise apurada da geopolítica internacional, da economia do transporte marítimo, além do redimensionamento da frota internacional, se faz necessária. Vale lembrar que antes da pandemia da covid-19, no último Review Maritime Transport da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad, na sigla em inglês), de outubro de 2019, este já citava o Brasil, especificamente o Porto de Santos, ao tratar dos fatores que influenciavam a concorrência e a competitividade entre portos, já destacando seus impactos na logística relacionada ao acesso ao transporte terrestre e marítimo, exemplificados pelo contexto europeu e asiático.


“A capacidade operacional de um porto para receber navios maiores é percebida como um imperativo para manter a competitividade portuária, por exemplo, na Ásia e na Europa.


A incapacidade operacional de um porto para receber navios de maior porte resulta na perda de conexões marítimas, como no Porto de Santos, Brasil, por exemplo, ou na necessidade de transbordo, induzindo a maiores custos de frete.


A integração vertical entre companhias de navegação e operadores de terminais pode afetar a concorrência se todos os terminais de um porto forem controlados pela mesma companhia e essa companhia se fundir com uma companhia de navegação. Neste caso, a entidade resultante da fusão terá um incentivo para discriminar outras companhias de navegação, fornecendo serviços de qualidade inferior ou cobrando preços mais elevados”. (UNCTAD, 2019, p.51)


Diante do exposto, é difícil entender portos sem uma boa compreensão sobre economia marítima (logística marítima) e transporte marítimo internacional. Apesar das divergências sobre o crescimento exponencial da frota internacional, onde certa parte acredita que “meganavios estão se tornando uma crescente dor de cabeça para a maioria dos portos e centros de distribuição”, nas palavras do professor Hercules Haralambides.


Por outro lado, algumas companhias acreditam no seu aumento exponencial, passando a investir na construção de novos navios porta-contêineres, carro-chefe da economia globalizada, muito embora representem apenas um oitavo do total da frota mundial, sendo essenciais para o transporte de bens de consumo em todo o mundo.


Vale dizer que estes navios ficaram maiores em um ritmo rápido. Nas últimas décadas, sua capacidade média dobrou. Atualmente, o maior navio de contêineres pode transportar 23.964 TEUs (HMM, 2020), porem, existem mais 72 navios com capacidade acima de 20.000 TEUs, além de 29 encomendados acima de 23.000 TEUs (EVERGREEN, 2020; MSC, 2020; OOCL, 2020; CMA CGM, 2020), a serem entregues até 2023.


Nesse sentido, estes navios maiores geram maior economia para o transportador e, como tal, facilitam o comercio global. Dobrar o tamanho máximo dos navios de contêineres na última década reduziu os custos totais do navio por contêiner transportado em cerca de um terço. Porém, navios maiores exigem adaptações de infraestrutura, equipamentos e causam maiores picos no tráfego de contêineres nos portos, com impactos mais abrangentes.


A economia potencial de custos para as operadoras parece ser bastante marginal, mas os custos de aumento da infraestrutura podem ser fenomenais. A introdução de cem navios de 24.000 TEU em 2020 exigiria investimentos substanciais nos locais onde esses navios seriam introduzidos pela primeira vez (Extremo Oriente, Norte da Europa, Mediterrâneo), o que provocaria um efeito cascata, resultando na introdução de navios de 19.000 TEUs na América do Norte e navios de 14.000 TEUs na América do Sul e África, implicando em investimento adicionais, os quais devem ser analisados conforme capacidade técnica portuária (profundidades do canal vs berço de atração).


Sem contar que grandes navios também concentram serviços e cargas, reduzindo a resiliência da cadeia de abastecimento, tornando mais limitada, especialmente porque os navios maiores coincidem com o aumento da cooperação das principais companhias marítimas em alianças.


Diante do exposto, uma discussão construtiva precisaria ocorrer com as partes interessadas, incluindo governo, órgão regulador, autoridade portuária e todos os constituintes interessados, antes mesmo de se discutir ponte vs túnel, privatização vs estatização etc.


O objetivo poderia ser facilitar uma troca de pontos de vista, uma compreensão dos objetivos e planos e, em última análise, uma melhor coordenação para garantir configurações ótimas da cadeia de abastecimento, incluindo o uso otimizado de grandes navios.


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