O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) desclassificou o crime de tentativa de homicídio qualificado atribuído a um homem que se envolveu em confusão em um quiosque na orla de Santos, porque não ficou demonstrada a sua intenção de matar. Com a decisão, esse acusado e mais três réus não serão mais submetidos a júri popular. Eles deverão responder pelo delito de lesão corporal grave perante uma vara criminal comum.
O episódio aconteceu por volta das 4 horas do dia 31 de agosto de 2017, no quiosque Burgman, na Praia do Embaré. As vítimas são um jovem, a sua namorada e a prima desta moça. O trio ocupava uma mesa do estabelecimento, enquanto em outra estavam Álvaro da Silva Neto, de 36 anos, Vitor Hugo dos Santos, de 28, João Vitor dos Santos, de 23, e Rodolfo Braga Gama de Oliveira, de 28.
Segundo denúncia do promotor Fernando Reverendo Vidau Akaoui, o conflito aconteceu após Álvaro dirigir gracejos a uma das jovens, apesar de ela estar acompanhada do namorado, que pediu respeito. O réu não gostou de ser advertido e se levantou para enfrentar o namorado da garota, mas um homem que passava pelo local interveio. Na sequência, esse acusado e os seus amigos começaram a provocar as vítimas.
Ainda conforme o representante do Ministério Público (MP), em dado momento, Vitor Hugo jogou um copo que atingiu uma das jovens e deu um soco no namorado de uma delas. Este rapaz, em seguida, foi imobilizado por João Vitor e Rodolfo, enquanto Vitor Hugo o feriu no braço esquerdo utilizando cacos de vidro. Álvaro aproveitou para desferir murros no rapaz que acompanhava as garotas.
O distúrbio ainda prosseguiu com Álvaro golpeando as primas com uma cadeira. Atingida na cabeça, uma das jovens chegou a desmaiar, enquanto a outra teve o ombro direito lesionado. O dente nº 27 do namorado de uma das moças foi quebrado e o rapaz precisou ser submetido a cirurgia óssea e gengival. Segundo laudo de exame de corpo de delito, ele sofreu lesão grave. As lesões das demais vítimas foram leves.
A violência apenas não prosseguiu, de acordo com Akaoui, porque frequentadores do quiosque acionaram a Polícia Militar e os réus fugiram. Para o promotor, ao utilizar a cadeira como arma, Álvaro assumiu o risco de matar, por motivo fútil e emprego de recurso que impossibilitou a defesa das vítimas. Porém, os delitos não se consumaram por razões alheias à vontade do réu, o que caracterizou a tentativa criminosa.
A acusação formal do MP foi apresentada em 24 de janeiro de 2018. Em relação aos demais réus, o promotor os denunciou por lesão corporal grave. Por ser este delito conexo à tentativa de homicídio, os seus autores também deveriam ser submetidos a júri popular, caso o TJ-SP não desse provimento ao recurso interposto pelo advogado Matheus Guimarães Cury, defensor de Álvaro, para desclassificar o crime.
21 dias de cadeia
Durante o inquérito policial, que tramitou pela Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Santos, Álvaro e Vitor Hugo tiveram decretada a prisão temporária de 30 dias. A Polícia Civil requereu a medida por considerá-la imprescindível às investigações e a Justiça acolheu o pedido. Após ficar 21 dias encarcerada, entre 21 de dezembro de 2017 e 11 de janeiro de 2018, a dupla foi solta.
A defesa dos acusados requereu a liberdade e o próprio promotor concordou com a soltura dos acusados porque, após a prisão, o inquérito policial foi concluído pela DDM, tornando sem razão a continuidade da prisão temporária. Eventual pedido de preventiva não chegou a ser formulado. O homicídio qualificado é crime hediondo e punível com reclusão de 12 a 30 anos. A pena da lesão corporal grave varia de um a cinco anos.
O juiz André Diegues da Silva Ferreira, da Vara do Júri de Santos, reconheceu existir prova da materialidade da tentativa de homicídio e indícios suficientes de autoria. Tais requisitos legais autorizam a submissão do réu a julgamento popular, bem como de outros eventuais acusados pela prática de delitos conexos. Neste tipo de decisão, chamada pronúncia, o magistrado não faz exame do mérito.
“Não pode o juiz avançar na análise da prova, devendo fazer mero juízo de admissibilidade da acusação, sob pena de influenciar o convencimento dos jurados”, observou André. Ele pronunciou os réus em 25 de novembro de 2019. Matheus Cury e os advogados dos outros acusados recorreram. A 12ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP desclassificou a tentativa de homicídio, sendo o acórdão publicado no último dia 21.
“A decisão desclassificatória para delito diverso do doloso contra a vida (tentativa de homicídio) é a que se coaduna com o que foi colhido na instrução sumariante, uma vez que não foi produzida mínima prova de que o recorrido (Álvaro) tenha agido com animus necandi (intenção de matar)”, destacou o desembargador Paulo Antonio Rossi, relator dos recursos. Os desembargadores Amable Lopez Soto e Vico Mañas seguiram o seu voto.
Conforme a decisão unânime do colegiado, ainda que existam várias versões sobre como ocorreram os fatos, merece credibilidade o relato de que houve provocações e posteriormente uma “confusão generalizada”. Desclassificada a tentativa de homicídio atribuída a Álvaro, ficou prejudicada a apreciação das teses dos demais recorrentes. Eles pretendem a absolvição ou a desclassificação do crime de lesão grave para leve.