O juiz Marcelo Barbosa Sacramone, da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, destituiu os administradores da BWA Brasil Tecnologia Digital e suspendeu os poderes dos sócios da empresa suspeita de promover pirâmide financeira que lesou 1.897 investidores em criptomoedas. “Diante dos indícios de crime”, o magistrado ainda determinou o bloqueio dos ativos dos membros da sociedade (Marcos Aranha, Jéssica da Silva Farias e Roberto Willens Ribeiro) até o limite de R$ 295.412.752,63.
A decisão do juiz aconteceu após analisar pedido do atual advogado da BWA, Adib Abdouni. O defensor requereu que a lista de valores devidos despencasse de R$ 295.412.752,63 para R$ 449.683,62. Ele justificou que a relação de credores e das quantias a que fariam jus foi elaborada de forma equivocada por uma empresa especializada na assessoria de pessoas jurídicas em situação de crise. “A recuperanda (BWA) – mal assessorada – foi levada a erro”, destacou Adib.
Segundo o advogado, “sem qualquer critério ou lógica, incluíram-se valores que não correspondem a débitos contraídos ou constituídos, mas sim, a entrega de coisa certa disponível para todos os contratantes (token – dispositivos pertencentes a cada cliente que se encontram disponíveis para que ele possa resgatar ou investir no mercado público nominado como blockchain)”. A divergência de valores não é “má-fé” da BWA, porque foram listados créditos sem títulos de cobrança judicial ou extrajudicial, emendou Adib.
A relação de credores, totalizando R$ 295.412.752,63, foi assinada pelos sócios da empresa investigada por promover a suposta pirâmide sob a fachada de investimentos em criptomoedas. Por esse motivo, o juiz indeferiu o pedido de alteração da listagem para valor 656,9 vezes menor que o débito inicialmente declarado pela BWA. “Pela conduta narrada pelo próprio patrono (advogado), há indícios de cometimento de crime pelos sócios signatários”, observou Sacramone.
O magistrado citou o Artigo 175 da Lei 11.101/2005. Conforme esta regra, é crime “apresentar em falência, recuperação judicial ou recuperação extrajudicial relação de créditos, habilitação de créditos ou reclamação falsas, ou juntar a elas título falso ou simulado”. A pena é de reclusão, de dois a quatro anos, e multa. O juiz se baseou no Artigo 64, inciso II, para afastar os sócios e administradores da BWA, ante os “indícios veementes” de terem cometido crime previsto na legislação.
Idoneidade questionada
O atual advogado da BWA sustentou que ela nunca foi “pirâmide financeira”, razão pela qual encomendou a elaboração de “parecer técnico” a renomado “perito forense digital” para demonstrar a regularidade das suas operações. De acordo com Adib, a empresa “sempre honrou com todos os seus compromissos assumidos”, mas passou a enfrentar dificuldades financeiras após “movimentação espúria da concorrência”, que denegriu a sua imagem.
Afirmando possuir provas, a atual defesa da BWA também requereu a destituição do administrador judicial – pessoa indicada pelo juízo e por este fiscalizada. “Resta evidenciado que o administrador judicial praticou atos graves e prejudiciais ao regular andamento da recuperação judicial, aptos a ensejar sua destituição”. Para o magistrado, “os fatos alegados são gravíssimos”, mas após “análise pormenorizada” dos documentos apresentados por Adib, ele não vislumbrou nada que desabone o administrador judicial.
Além de indeferir o pedido de Adib e manter o administrador judicial, Sacramone determinou que o Ministério Público tome ciência dos fatos alegados e “promova procedimento de investigação criminal contra o advogado”. O juiz determinou que o Conselho de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também seja comunicado. Com o afastamento dos sócios e administradores da BWA, o magistrado nomeou um administrador até que assembleia dos credores defina um gestor.
Esfera criminal
Inquéritos abertos nas polícias Civil e Federal investigam os sócios da BWA por estelionato, lavagem de dinheiro e eventual delito de organização criminosa. Paulo Roberto Ramos Bilibio, companheiro de Jéssica, é apontado como quem comanda ou comandava de fato a sociedade. Com sede na Capital, a empresa acusada de pirâmide financeira já teve escritório em luxuoso edifício corporativo de Santos antes de ruir e deixar centenas de lesados. Ninguém ainda teve a prisão preventiva decretada.
Oitenta e três clientes fazem parte do grupo que investiu quantia igual ou superior a R$ 500 mil, conforme a lista fornecida pela BWA na recuperação judicial. Entre as pessoas jurídicas, uma empresa de exportação e importação de Barueri (SP) amarga o maior prejuízo: R$ 14,1 milhões. O segundo lugar é ocupado por um posto de combustíveis de Santos, credor de R$ 12,3 milhões. As pessoas físicas com maiores prejuízos são dois homens. Moradores em Santos, eles aplicaram R$ 5 milhões e R$ 2,5 milhões.
O indício de golpe decorre da promessa de remunerar aplicações em criptomoedas com juros superiores aos de outros investimentos. Conforme uma vítima, os juros variavam de 3 a 3,5% ao mês para as aplicações mais recentes, chegando a 5% nas mais antigas, sem prazo de carência para o resgate total dos valores. A mesma fonte contou que a captação de clientes se dava por meio de uma rede de “consultores”, geralmente, do mesmo círculo social e/ou profissional dos potenciais investidores.