Ministério Público contesta laudo que aponta esquizofrenia do 'Maníaco da Peruca'

Dentista Flávio do Nascimento Graça foi tido como esquizofrênico após ter cometido assassinatos em série em Santos em 2014 e 2015

Por: Eduardo Velozo Fuccia  -  07/02/20  -  09:13
Defesa do ‘Maníaco da Peruca’ contesta Justiça por levar caso a júri popular
Defesa do ‘Maníaco da Peruca’ contesta Justiça por levar caso a júri popular   Foto: Reprodução

Parecer técnico de 24 laudas assinado pelo médico psiquiatra Kennedy Nejar, do Centro de Apoio Operacional à Execução (CAEx), do Ministério Público (MP), contesta laudo que aponta ser esquizofrênico o dentista conhecido como o 'Maníaco da Peruca'.


Segundo o órgão do MP, o acusado de ser o serial killer que executou três pessoas e tentou matar outras duas “é, atualmente, inteiramente capaz de entender o caráter ilícito de sua conduta pretérita, e de determinar-se de acordo com esse entendimento”.


O laudo inicial havia sido elaborado pelos médicos Wlademir Bacellar do Carmo Filho e Fabiano Furtado de Oliveira, da Seção de Apoio Administrativo à Área de Psiquiatria Forense de Santos, a partir de pedido do advogado do réu, Eugênio Malavasi.


Segundo os psiquiatras Bacellar e Furtado, o dentista Flávio do Nascimento Graça, de 40 anos, “por sua doença mental, era parcialmente incapaz de entendimento e totalmente de determinação, salvo melhor juízo”.


Os médicos diagnosticaram “esquizofrenia paranoide”. A prevalecer esse entendimento, o Maníaco de Peruca seria inimputável, ou seja, não poderia responder criminalmente pelos seus atos e deveria ser submetido a medida de segurança em manicômio judiciário.


A medida de segurança não tem prazo definido. Ela pode ser interrompida se novos exames atestarem a cessação da periculosidade do acusado. Na hipótese de Flávio, ele retornaria às ruas como primário, porque sequer condenado teria sido.


No entanto, o parecer do CAEx refuta as conclusões dos outros médicos. De acordo com o psiquiatra Nejar, Flávio apresentou “discurso organizado”, não demonstrou alterações de humor e se mostrou orientado no tempo e espaço.


Questionado pelo médico do MP sobre o que sentia em relação aos fatos passados, o dentista respondeu, “com os olhos marejados, que se arrependia do que havia feito e, se pudesse voltar atrás, não faria novamente”, conforme detalha Nejar.


Críticas


 Flávio do Nascimento Graça utiliza peruca antes de tentativa de homicídio no Gonzaga, em Santos
 Flávio do Nascimento Graça utiliza peruca antes de tentativa de homicídio no Gonzaga, em Santos   Foto: Reprodução

O laudo da equipe forense afirma que o réu estava “subconfuso” ao ser examinado, situação rebatida no parecer do MP. “São completamente imprecisas as afirmações do exame mental do laudo pericial”, dispara o médico do CAEx em seu parecer.


Nejar também diz em seu trabalho que, em 40 anos de Medicina, nunca escutou a expressão “subconfuso” em exame de estado mental. Flávio declarou que “ouviu vozes”, como forma de justificar os seus crimes.


Para o psiquiatra do MP, o réu quis induzir os peritos a erro e conseguiu. “Para que um profissional experiente e capacitado possa avaliar delírios e alucinações, não é suficiente que alguém fale que simplesmente ouve vozes que mandam fazer algo”, conclui Nejar.


Júri popular


Constituído pela família das vítimas para atuar no processo como assistente da acusação, o advogado Ricardo Ponzetto afirma que nesta fase da ação penal prevalece o in dubio pro societate – princípio pelo qual, na dúvida, se decide em favor da sociedade.


“Os peritos forenses e o médico do MP divergem. Foi lançada séria dúvida sobre o fato de o réu ser ou não responsável criminalmente pelos seus atos. Ela deve ser resolvida em favor da sociedade, com a submissão do acusado a júri popular”, sustenta Ponzetto.


A Constituição Federal reserva aos jurados a competência para julgar os crimes dolosos (intencionais) contra a vida, como o homicídio. “Os jurados são os juízes naturais da causa. Cabe a eles decidir o futuro do réu”, finaliza o assistente da acusação.


Crimes em série


Os cinco homicídios (três consumados e dois tentados) atribuídos a Flávio envolvem quatro pessoas da mesma família, mas todas as vítimas tinham ligação com a Clínica Odontológica Americana, que encerrou as atividades após três ataques em série.


No início da madrugada de 23 de dezembro de 2014, o empresário Agilson Correa de Carvalho, de 54 anos, foi baleado ao sair da filial da Clínica Americana da Avenida Floriano Peixoto, no Gonzaga. Dono da rede de consultórios, ele morreu 72 horas depois.


A segunda investida aconteceu na noite de 15 de julho de 2015. Irmãos de Agilson, Aldacy Correa de Carvalho, de 56 anos, e Arnaldo Correa de Carvalho, de 54, foram mortos. Eles estavam com um sobrinho, baleado de raspão.


Sem ainda estar identificado, o dentista voltou a agir na manhã de 23 de setembro de 2015, na Rua Marcílio Dias, no Gonzaga. Uma funcionária da clínica prendia com corrente e cadeado a sua bicicleta e o dentista a baleou cinco vezes.


O consultório de Flávio era vizinho de duas filiais da Clínica Americana e faliu. A Polícia Civil apurou que o Maníaco da Peruca atribuía o seu declínio profissional à ascensão do concorrente. Segundo eles, esse sentimento motivou o acusado a se vingar.


O apelido que o dentista ganhou nos meios policiais se deve ao fato de ele ter usado peruca como disfarce nos três ataques. A sua captura aconteceu apenas no dia 29 de novembro de 2018. Ele está preso na Penitenciária de Tremembé, no Vale do Paraíba.


De acordo com a denúncia do MP, os crimes foram qualificados pelo motivo torpe, caracterizado pela vingança, e pelo emprego de recurso que dificultou a defesa das vítimas, alvos de emboscadas.


Por causa do RG adulterado, Flávio será investigado e deverá responder por mais um crime
Por causa do RG adulterado, Flávio será investigado e deverá responder por mais um crime   Foto: Reprodução

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