Jovem que matou amigo em acidente de trânsito no Gonzaga vai a júri popular

Carro de luxo transitava em alta velocidade e bateu em poste no Canal 3. Vítima era passageira e teve o braço direito decepado

Por: Eduardo Velozo Fuccia  -  15/06/20  -  20:37
Atualizado em 15/06/20 - 20:42
Allan Bomfim causou acidente que resultou na morte de seu amigo, em Santos, em 2016
Allan Bomfim causou acidente que resultou na morte de seu amigo, em Santos, em 2016   Foto: AT

Acusado de dirigir o carro do pai em alta velocidade e provocar acidente que causou a morte de um amigo, o universitário Allan Bomfim Silveira, que completa 25 anos no próximo sábado (20), será submetido a júri popular. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmaram decisão da Vara do Júri de Santos, que considera o crime homicídio doloso. A sessão ainda não tem data definida.


A defesa recorreu às instâncias superiores para desclassificar o crime doloso para culposo (decorrente de imprudência), previsto do Código de Trânsito Brasileiro. Caso esta tese fosse acolhida, Allan não seria levado a júri e estaria sujeito a pena de dois a quatro anos de detenção, que não implica, na prática, em cadeia. Muito mais severa, a sanção do homicídio doloso, conforme o Código Penal, é de seis a 20 anos de reclusão.


O acidente aconteceu por volta das 2h30 de 8 de julho de 2016. Allan dirigia um Mercedes-Benz C180, modelo 2015, pela pista sentido praia da Avenida Washington Luiz, no Gonzaga. Logo após passar pela Rua Galeão Carvalhal, o carro perdeu o controle e colidiu em um poste entre a Rua Mario Carpenter e a orla. Passageiro do banco da frente, Patrick da Rocha Ceródio, de 22 anos, teve o braço direito decepado e faleceu.


Momentos antes da batida, outro passageiro do veículo, João Pedro Vieira Guerra, que ocupava o banco traseiro, estava apreensivo com a velocidade excessiva do automóvel de luxo. Ele advertiu Allan sobre o potencial risco de acidente, mas o réu ironizou. Segundo a denúncia elaborada pelo promotor Daniel Gustavo Costa Martori, o universitário declarou que “se for bater sem dar PT (perda total), nem vale a pena”.


Na acusação formal, o representante do Ministério Público (MP) levou em conta o suposto menosprezo do réu pela vida alheia, conforme o relato da testemunha, e a velocidade muito além do limite de velocidade permitida para aquele local, fixado em 50 km/h. Laudo do Instituto de Criminalística (IC) concluiu que o Mercedes C180 trafegava a mais de 100 km/h, “com pico superior a 130 km/h”.


Allan, Patrick e João Pedro voltavam de uma balada, onde o réu teria consumido uísque com energético, ainda conforme destacou o promotor, com base no depoimento de testemunhas. No entanto, eventual embriaguez do acusado não pôde ser confirmada, porque Allan fugiu do local do acidente, ficando prejudicada a realização de teste do bafômetro ou de exame de dosagem alcoólica.


Câmera de segurança mostra que o universitário deixou o local com uma caixa, logo em seguida arremessada dentro do Canal 3. Buscas foram realizadas, mas o objeto não foi localizado, restando apenas a suspeita de que ele poderia ser a embalagem de uma garrafa de uísque. No porta-malas do veículo foram apreendidos um copo de vidro quebrado e outro de plástico com a inscrição Jack Daniels (marca de uísque importado).


De acordo com Daniel Martori, Allan “aceitou e se conformou com a possibilidade de causar o acidente de trânsito, assumindo, com isso, o risco de causar a morte das pessoas que estavam em seu veículo, no caso Patrick”. Esse tipo de conduta caracteriza o dolo eventual. O representante do MP também frisou que o acusado já causou “perda total” em outro carro ao colidi-lo em um muro.


Veículo conduzido por Allan ficou destruído com o impacto
Veículo conduzido por Allan ficou destruído com o impacto   Foto: AT

Dois dias preso


Dias após o acidente, Allan se apresentou no 7º DP de Santos. Em entrevista exclusiva para A Tribuna, ele negou a ingestão de álcool e atribuiu o acidente a um desnível na pista que o fez perder o controle do volante. Disse que transitava a 70 km/h e que a caixa retirada do porta-malas era de uma pistola de air soft. Alegou que a jogou no canal por receio de que a arma de pressão fosse confundida com uma de fogo.


Após a perícia apontar a velocidade excessiva do Mercedes C180 e outras provas serem produzidas, a Polícia Civil indiciou Allan por homicídio doloso. O MP denunciou o acusado pelo mesmo crime no dia 12 de abril de 2017. Considerando o encarceramento do réu necessário para garantir a ordem pública e assegurar o andamento do processo, o juiz Edmundo Lellis Filho decretou a sua prisão preventiva.


Policiais civis santistas cumpriram a ordem de captura em 19 de abril de 2017, na faculdade onde Allan cursa Economia, em Curitiba (PR). O jovem foi recolhido ao Centro de Detenção Provisória (CDP) de São Vicente, sendo solto dois dias depois. O desembargador Alberto Anderson Filho, que estava no plantão do TJ-SP, acolheu pedido do advogado Eugênio Baliano Malavasi e concedeu liberdade provisória ao universitário.


Sob pena de revogação do benefício, o desembargador determinou que Allan entregasse a sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH), ficando suspenso o seu direito de dirigir até o fim da ação penal; compareça aos atos processuais para os quais for intimado e em juízo a cada dois meses; não frequente bares, casas noturnas e estabelecimentos semelhantes, e se recolha em casa às 20 horas, exceto se estiver estudando.


Dolo eventual


No dia 11 de agosto de 2017, Lellis reconheceu comprovada a materialidade do crime e a existência de indícios suficientes de autoria para pronunciar o réu, ou seja, determinar que ele seja levado a júri pelos crimes de homicídio doloso, omissão de socorro e fuga de local de acidente, conforme a denúncia do MP. O juiz destacou que compete aos jurados realizar a análise aprofundada da prova e verificar se o réu agiu ou não com dolo eventual.


Malavasi defendeu que o cliente não fosse a júri, porque não agiu com dolo. “O episódio retratado nos autos foi uma fatalidade, que abalou seriamente o defendido, que perdeu um amigo querido”. O advogado recorreu ao TJ-SP, cuja 5ª Câmara de Direito Criminal, por dois votos a um, manteve a decisão de Lellis quanto aos crimes de homicídio doloso e omissão de socorro, absolvendo o réu do delito de fuga do local de acidente.


Ainda com o objetivo de desclassificar o homicídio doloso para culposo e evitar o júri popular, a defesa do estudante de Economia recorreu ao STJ, mas sem modificar o que o decidiu o TJ-SP. Com o esgotamento dos recursos para reformar esta decisão, o processo deve seguir o seu ritmo normal, conforme se manifestou o promotor Geraldo Márcio Gonçalves Mendes no dia 27 de fevereiro deste ano.


A última movimentação processual é desta data. Gustavo Martori não atua mais perante a Vara do Júri de Santos. No entanto, Mendes, seu sucessor, informou ao juiz Alexandre Betini (que assumiu no lugar de Lellis) que, “com o trânsito em julgado, aguardo o prosseguimento regular do feito, com abertura de vista para manifestação nos termos do artigo 422 do Código de Processo Penal (CPP)”.


O artigo 422 do CPP estabelece que, nesta fase processual, o presidente do Tribunal do Júri (juiz titular da vara) determinará a intimação do promotor e do advogado para apresentarem no prazo de cinco dias a relação de testemunhas a serem ouvidas no plenário, até o máximo de cinco. As partes também devem juntar documentos e requerer diligência nesta ocasião.


Sem conseguir evitar a realização do julgamento popular, Malavasi declarou acreditar que os jurados santistas “restabeleçam a justiça”, reconhecendo ter o réu agido com culpa e não dolo eventual. O advogado também ponderou que seria difícil reverter a decisão de pronúncia, porque nela prevalece o princípio do “in dubio pro societate” (na dúvida, decide-se em favor da sociedade).


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