Depoimento de inglês reforça inocência de brasileiros acusados de tráfico internacional

Velejadores chegaram a ficar 18 meses presos em Cabo Verde, após a polícia do país encontrar 1,1 tonelada de cocaína escondida em um compartimento secreto na embarcação em que estavam

Por: Eduardo Velozo Fuccia & Da Redação &  -  28/04/19  -  11:31
Dantas aceitou o trabalho para adquirir milhas para adquirir a categoria de capitão offshore
Dantas aceitou o trabalho para adquirir milhas para adquirir a categoria de capitão offshore   Foto: Arquivo pessoal

Colheita farta. A tradução do nome do veleiro Rich Harvest não corresponde à safra obtida pela tripulação que o conduziu do Brasil a Cabo Verde. Recheada com 1,1 tonelada de cocaína escondida em um compartimento secreto criado especialmente para a logística do narcotráfico internacional, a embarcação foi interceptada por autoridades daquele país da costa ocidental africana. Três velejadores brasileiros e um capitão francês foram presos. Sempre alegaram inocência, que agora fica ainda mais evidenciada com o interrogatório de um inglês. Ele garante que os tripulantes não sabiam da droga.


“Estou tranquilo, como já estava antes, porque sabia que a verdade ia aparecer. Mas ela veio tarde demais, embora não deixe de ser um alívio”. O desabafo é de Daniel Ribeiro Dantas, de Salvador, um dos protagonistas dessa história. Em entrevista para A Tribuna, disse que ele e os outros dois velejadores brasileiros (o também baiano Rodrigo Dantas, que não é seu parente, e o gaúcho Daniel Guerra) nada ganhariam por participar da travessia transoceânica. Só o capitão (o francês Olivier Marie Thomas) receberia pagamento em dinheiro. O interesse do trio brasileiro era conquistar milhas náuticas.


“Nós (os brasileiros) precisávamos daquela milhagem para adquirir a categoria de capitão offshore, no Yachtmaster, que é um selo de qualidade”, explica Daniel Dantas. Em busca desta projeção profissional, o trio foi recrutado no Brasil por uma empresa internacional de captação de mão de obra para realizar a navegação, cuja finalidade ilícita afirma ignorar. A viagem teve início em Natal, no Rio Grande do Norte, em agosto de 2017. O destino seria a Ilha da Madeira, em Portugal, mas faltando pouco para atingi-lo, cerca de 20 dias depois, veio a surpresa na cidade de Mindelo, em Cabo Verde.


“Fomos fazer turismo em Mindelo e comprar as passagens aéreas de volta”, relembra o velejador. Porém, o voo de regresso ao Brasil não aconteceu. Antes que ele ocorresse, policiais de Cabo Verde acharam a cocaína oculta no veleiro de 72 pés e 65 toneladas. Surpresos com a descoberta, os brasileiros foram presos por um crime que juram não ter cometido e que sequer tinham ciência. “Não sabíamos de nada. O veleiro passou por todos os procedimentos de vistoria da Polícia Federal e Receita Federal antes de sair do Brasil, nada de errado sendo detectado”, conta Daniel Dantas.


De acordo com o velejador, a tripulação recebeu o Rich Harvest já preparado para a travessia que cruzou o Atlântico. “O barco estava abastecido com combustível, água e comida suficientes para a viagem. Só compramos verduras e frutas na véspera, porque são os itens mais perecíveis”. Perguntado se “entrou de gaiato no veleiro”, Daniel Dantas não só responde que sim, como acrescenta o que sobreveio à prisão: a condenação, em março de 2018, a dez anos de reclusão por tráfico internacional de drogas pela Justiça de Cabo Verde.


Em dezembro do ano passado, o Judiciário daquele país acolheu recurso dos advogados dos brasileiros para anular a sentença. Reconheceu que os acusados sofreram cerceamento de defesa, porque testemunhas por eles indicadas não foram ouvidas, sendo ainda desprezados documentos que apresentaram. As recordações de Daniel Dantas sobre o julgamento, que durou cerca de uma semana, não são as melhores. “O promotor dormiu na audiência enquanto as nossas testemunhas prestavam depoimento e desqualificou o relatório da Polícia Federal brasileira”.


Veleiro partiu de Natal, no Rio Grande do Norte, com destino a Ilha da Madeira, em Portugal
Veleiro partiu de Natal, no Rio Grande do Norte, com destino a Ilha da Madeira, em Portugal   Foto: Arte: Marcelo Padron/AT

Reviravolta


Com a anulação da sentença, os brasileiros foram soltos no dia 7 de fevereiro deste ano, mas ficou na conta de suas vidas o saldo impagável de 18 meses de cárcere. Libertados, foram autorizados a retornar ao País na semana seguinte. Os velejadores ainda respondem ao processo em Cabo Verde, mas com a expectativa de serem absolvidos. Esta esperança ganhou ainda mais força neste mês, após o inglês Robert James Delbos afirmar na Superintendência da Polícia Federal, em Salvador, que Daniel Dantas, Daniel Guerra e Rodrigo Dantas são inocentes, porque nada sabiam da cocaína no veleiro.


Acusado no inquérito da PF de ser o responsável pela reforma na embarcação destinada à ocultação do carregamento da droga, embora alegue ignorar a finalidade das modificações no Rich Harvest, Delbos teve a prisão preventiva decretada pela 2ª Vara Federal Criminal de Salvador. Capturado na Espanha em junho de 2018 por força desta ordem de captura, foi extraditado ao Brasil no último dia 11 de abril. Ficou inicialmente na carceragem da Superintendência da PF da capital baiana, sendo transferido para o presídio da Mata Escura, também em Salvador, após ser interrogado.


O delegado Daniel Justo Madruga, superintendente da PF na Bahia, informou que Delbos já foi preso pelo transporte de 1,5 tonelada de haxixe, na década de 80, na Inglaterra, conforme o próprio acusado admitiu. A pedido da Polícia Federal, também foi decretada a preventiva do inglês George Eduard Soul, o Fox. Apontado como dono do veleiro e da carga de cocaína, ele contratou Delbos para a reforma do barco. Com o nome lançado na difusão vermelha – lista da Interpol de criminosos procurados, que é compartilhada entre os 188 países-membros da organização –, Fox permanece foragido.


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