Decisão pode comprometer investigação que apura corrupção em projeto portuário na Ilha dos Bagres

Operação Porto Seguro investiga aprovação de plano para construção na Ilha dos Bagres. Empresas e funcionários públicos são alvos

Por: Eduardo Velozo Fuccia & Da Redação &  -  12/03/20  -  15:17
Empreendimento portuário iria ser construído na Ilha dos Bagres, no Canal do Estuário santista
Empreendimento portuário iria ser construído na Ilha dos Bagres, no Canal do Estuário santista   Foto: Carlos Nogueira/AT

A Operação Porto Seguro, da Polícia Federal (PF), que apura esquema de corrupção na aprovação de projeto de complexo portuário na Ilha dos Bagres, em Santos, sofreu tormenta processual que compromete os objetivos da investigação.


Na segunda-feira (9), o ministro Nefi Cordeiro, da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), deu provimento a recurso em habeas corpus para declarar a nulidade da interceptação telefônica e das provas derivadas do monitoramento das ligações.


Com essa decisão, todo o material declarado nulo deverá ser retirado do processo, “sem prejuízo do prosseguimento da ação penal com base em outras provas”, conforme destacou Nefi Cordeiro.


Porém, é inegável que a Porto Seguro balançou e foi aberto caminho para provável absolvição dos investigados pela insuficiência probatória. Decorridos quase oito anos do ajuizamento da ação, produzir novas provas para substituir as eliminadas não será tarefa fácil.


Denunciados


O Ministério Público Federal (MPF) denunciou 24 pessoas na Operação Porto Seguro. A acusação formal foi oferecida em 14 de dezembro de 2012, sendo atribuídos ao grupo os delitos de quadrilha (associação criminosa), corrupção ativa e passiva, tráfico de influência, falsidade ideológica e falsificação de documento particular.


Entre os réus estão Paulo Rodrigues Vieira, na época diretor de Hidrologia da Agência Nacional das Águas (ANA), o ex-advogado-geral-adjunto da União, José Weber Holanda e o ex-senador Gilberto Miranda Batista (MDB-AM).


Rosemary Nóvoa de Noronha, que na ocasião chefiava o Gabinete Regional da Presidência da República em São Paulo e ficou conhecida pela sua proximidade com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, também integra a relação de denunciados.


Esquema


Segundo o MPF, os líderes da quadrilha tinham como “principal atividade e meio de vida o trabalho de intermediação dos interesses particulares de grandes empresários”. Em contrapartida, os beneficiados pagavam vultosas propinas aos réus.


Os cabeças se valiam inclusive de tráfico de influência para nomear comparsas em cargos de diretoria em agências reguladoras. Tais indicações tinham por objetivo viabilizar interesses privados em detrimento do público.


No caso da Ilha dos Bagres, área de proteção permanente ao lado do Porto de Santos, a PF apurou a existência de corrupção na aprovação de projeto de complexo portuário de R$ 2 bilhões. O terminal ocuparia 1,2 milhão de m², tamanho similar ao do Parque do Ibirapuera, na Capital.


Antes do oferecimento da denúncia, o projeto não vingou, mas ele chegou a receber a aprovação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), da Secretaria dos Portos e da Secretaria de Patrimônio da União (SPU).


Defesa vê ilegalidade em interceptação telefônica de acusado


O processo da Porto Seguro tramita na 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo. Defensor de um dos réus, o advogado José Luiz Moreira Macedo impetrou o habeas corpus sob o argumento de que a interceptação telefônica do cliente foi decretada sem fundamentação concreta.


Macedo também se queixou do fato de a “medida invasiva” perdurar por mais de um ano, havendo excesso no número de prorrogações de prazo. O habeas corpus foi negado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), mas o advogado recorreu ao STJ.


Ilicitude de provas


Segundo o TRF3, a interceptação foi legal, porque teve fundamentação idônea. Em relação às prorrogações, o mesmo tribunal justificou que elas foram necessárias devido à complexidade do caso, ao grande número de envolvidos e à imprescindibilidade da medida para elucidar os crimes sob apuração.


Iniciamente, Nefi Cordeiro negou o recurso em habeas corpus, mas reconsiderou a sua decisão após Macedo oferecer agravo. Na reanálise de matéria, o ministro reconheceu a “ilicitude” das provas produzidas, porque a interceptação telefônica “carece de fundamentação válida” e decorreu de “genérico decreto”.


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