Advogada, filho e amigo viram réus pelo assassinato de fiscal no Embaré, em Santos

Mulher pretendia obter benefício previdenciário de pensão por morte, segundo denúncia do MP, já recebida pela Justiça. Dos três réus, apenas ela não teve a preventiva decretada

Por: Eduardo Velozo Fuccia  -  19/02/20  -  09:52
Homem foi encontrado morto dentro da própria casa na Rua Delfim Moreira, no Embaré
Homem foi encontrado morto dentro da própria casa na Rua Delfim Moreira, no Embaré   Foto: Silvio Luiz/AT

Um homicídio com motivação sórdida: obter benefício previdenciário de pensão por morte. Esta é a sinopse do assassinato de um fiscal de rendas estadual em Santos, conforme concluiu a Polícia Civil. A investigação apurou que os principais acusados – uma advogada e o seu filho – também furtaram quase R$ 20 mil da vítima. Uma terceira pessoa teria participado da execução do crime mais grave. Desde a última sexta-feira (14), os três viraram réus. Apenas a advogada encontra-se em liberdade.


O fiscal Sérgio Armando Gomes Ferreira, de 56 anos, foi morto dentro de uma casa sobreposta da Rua Delfim Moreira, no Embaré, na madrugada de 14 de novembro de 2019. Com a finalidade de partilhar despesas, sendo a principal delas o aluguel do imóvel, ele passou a residir no sobrado com dois dos acusados: a advogada Luciana Mauá de Almeida Marnoto, de 49 anos, e o filho dela, o estudante Guilherme Marnoto de Alvarenga, de 18.


Por ocasião do crime, apenas Sérgio estava na residência. Devido à falta de energia, cortada por falta de pagamento havia alguns dias, a moradia se encontrava às escuras. De modo sorrateiro, Guilherme e o amigo Gabriel Marraccini Henrique Lopes, de 18 anos, entraram na casa e atacaram o fiscal, segundo a Polícia Civil. A dupla se dirigiu ao local em um Renault Symbol dirigido pelo filho da advogada. O carro foi estacionado longe e os rapazes vestiam casacos com capuz na tentativa de encobrir o rosto.


Titular da Delegacia Especializada Antissequestro (Deas) de Santos, que possui um Setor de Homicídios, o delegado Renato Mazagão Júnior elaborou relatório de 20 páginas ao finalizar o inquérito. Segundo ele, o fiscal foi estrangulado com uma cordinha de prancha de surfe e teve quebrado o hioide (osso do pescoço abaixo da mandíbula). Depois, teve o abdômen esfaqueado em forma de “X” para dar a falsa impressão de que o assassinato foi motivado por vingança a suposta delação da vítima a colegas de trabalho.


Consumado o homicídio, Guilherme e Gabriel retornaram ao veículo, trocaram de roupas dentro dele e foram comer lanche em uma filial do McDonald’s, onde câmeras de segurança os filmaram. Na tarde seguinte, como se nada tivesse acontecido, o filho da advogada e a mãe se dirigiram à sobreposta. Disseram que estavam preocupados com o fato de o fiscal não atender o celular e “encontraram” o corpo de Sérgio, acionando a Polícia Militar. Para Mazagão, tudo não passou de “teatro”.


Advogado Armando de Mattos Júnior atua como assistente de acusação no caso
Advogado Armando de Mattos Júnior atua como assistente de acusação no caso   Foto: AT

Prisões


Em dezembro do ano passado, a pedido da Polícia Civil, os três acusados tiveram a prisão temporária de 30 dias decretada pela Justiça e foram capturados. Depois, em interrogatório, Guilherme assumiu a autoria do homicídio, inocentando a mãe e o amigo. Alegou que a sua intenção era apenas “dar um susto” em Sérgio, porque ele seria agressivo com Luciana. No entanto, no momento do crime, o fiscal partiu em direção do filho da advogada, forçando-o a reagir, conforme a versão do réu confesso.


Com a confissão de Guilherme, a Justiça revogou a prisão de Luciana, por entender que ela não seria mais imprescindível às investigações. Porém, prorrogou por mais 30 dias as temporárias dos dois rapazes por considerar a custódia deles ainda necessária. Após a conclusão do inquérito, tanto Mazagão quanto o promotor Geraldo Márcio Gonçalves Mendes requereram a preventiva dos três. O juiz Alexandre Betini, da Vara do Júri de Santos, acolheu o pedido apenas em relação a Guilherme e Gabriel.


“A decretação da prisão preventiva de todos os denunciados é imprescindível à recomposição da ordem pública por eles violada”, sustentou Geraldo Mendes, ao oferecer denúncia contra Luciana, Guilherme e Gabriel, na última sexta-feira. Ainda de acordo com o representante do Ministério Público (MP), a custódia cautelar dos acusados até o julgamento é medida adequada e proporcional à gravidade do fato praticado e à periculosidade dos autores.


Na mesma data, Betini recebeu a denúncia, porque “os elementos colhidos no inquérito policial revelam prova da materialidade dos fatos delituosos e indícios de autoria dos acusados”. O juiz decretou a preventiva de Guilherme e Gabriel, mas manteve a advogada solta, “por não estar demonstrada qualquer alteração da situação fática ou jurídica no presente feito desde o proferimento da decisão de deferimento de revogação da prisão que justificasse sua reconsideração”.


O advogado Armando de Mattos Júnior defende Gabriel e disse que “diversas provas” comprovando a não participação desse jovem não foram juntadas no inquérito policial. “Após todo o material ser levado ao agora processo, ficará clara a inocência do meu cliente. Estamos confeccionando um habeas corpus com o objetivo de conseguir a liberdade de Gabriel”. Luciana e Guilherme são defendidos por Eugênio Malavasi, que também prepara habeas corpus pleiteando a soltura do filho da advogada.


“A defesa técnica já esperava o oferecimento da denúncia contra os acusados Guilherme e Luciana, mas a instrução processual irá comprovar o fato gerador da conduta de Guilherme, que foi a violenta emoção, bem como a nenhuma participação de Luciana no evento”, finalizou Malavasi. Os habeas corpus serão apreciados inicialmente pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, mas outros poderão ser encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF).


Eugênio Malavasi representa ex-prefeito de Mongaguá
Eugênio Malavasi representa ex-prefeito de Mongaguá   Foto: AT

Trama pelo WhatsApp


O promotor se baseou no inquérito para denunciar Luciana e Guilherme por dez furtos qualificados pelo abuso de confiança e pela participação de mais de uma pessoa. Esse foi o número de compras ou saques realizados por esses réus com o cartão bancário e a senha da vítima, sem que ela soubesse. As transações ocorreram entre os dias 31 de janeiro de 2018 e 8 de agosto de 2019, totalizando R$ 19.463,60. Devido à suspeita de mais fraudes, Betini autorizou a quebra do sigilo bancário da advogada e do filho.


Sérgio percebeu a realização das transações indevidas ao conferir extratos, mas não desconfiou das pessoas com as quais dividia a locação da casa sobreposta do Embaré. Imaginando que foi vítima de algum tipo de fraude eletrônica decorrente de falha do sistema bancário, reivindicou o ressarcimento dos valores junto ao Banco do Brasil. Sem êxito, ajuizou duas ações contra a instituição financeira, que foram distribuídas na 1ª e 3ª varas do Juizado Especial Cível de Santos.


Diálogos entre mãe e filho pelo WhatsApp revelaram a ambição e o nível do caráter de ambos. “Se de um lado, a vítima nutria sentimento de amizade pelos denunciados, de outro, a dupla vislumbrava em Sérgio somente a oportunidade de obter vantagem de ordem patrimonial”, frisou o promotor. Em uma mensagem que não foi apagada e já faz parte do processo, Luciana comemora a descoberta da nova senha bancária do fiscal ao dizer para Guilherme: “Esse fdp mudou as letras. Mas eu sei onde ele anota”.


Em outra conversa, a mãe escreveu para o filho: “Agora temos a senha e até quem mate ele”. O representante do MP também citou na denúncia que, certos da impunidade, os acusados chegaram a utilizar os seus conhecimentos jurídicos para depreciar o trabalho da Polícia Civil, como um diálogo no qual Luciana afirma que a única testemunha do homicídio seria o gato do fiscal de rendas, incapaz de relatar o que aconteceu dentro da sobreposta na madrugada de 14 de novembro de 2019.


Em sua acusação formal, Geraldo Mendes explicou que os denunciados Luciana e Guilherme obtiveram os códigos bancários por intermédio da subtração das anotações da vítima ou com ela mesmo revelando a senha, sob o efeito de medicação. Sérgio fazia uso de calmantes de uso controlado. Segundo o promotor, o plano de assassinato começou a ser elaborado quando a advogada e o filho estavam na iminência de perder a residência onde moravam com o fiscal e o acesso frequente ao cartão bancário dele.


“Luciana e Guilherme decidiram matar Sérgio para que a primeira obtivesse o benefício previdenciário da pensão por morte. Para tanto, pretendiam demonstrar falsamente que a denunciada e Sérgio viviam em união estável, e não somente coabitavam com o propósito de compartilhar despesas referentes à moradia comum. Decididos pelo cometimento do delito, os denunciados contataram Gabriel, amigo de Guilherme, para auxiliá-lo na execução”, resumiu o representante do MP.


Na hipótese de condenação, apenas pelo homicídio qualificado, os réus estão sujeitos a pena que varia de 12 a 30 anos de reclusão. Mendes considerou como qualificadoras do crime a torpeza, devido à motivação patrimonial; a crueldade, decorrente da morte causada por asfixia mecânica mediante estrangulamento, e o emprego de recurso que impossibilitou a defesa do fiscal de rendas, surpreendido no escuro, dentro da própria casa e em desvantagem numérica.


Delegado Renato Mazagão Júnior
Delegado Renato Mazagão Júnior   Foto: Alberto Marques/Arquivo/AT

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