Acusado de 5 homicídios, Maníaco da Peruca vai a júri popular, decide juíza

Advogado do réu recorre ao Tribunal de Justiça e pede a decretação de segredo de justiça do processo

Por: Eduardo Velozo Fuccia  -  23/06/20  -  22:21
Por causa do RG adulterado, Flávio será investigado e deverá responder por mais um crime
Por causa do RG adulterado, Flávio será investigado e deverá responder por mais um crime   Foto: Reprodução

A juíza Lívia Maria de Oliveira Costa, da Vara do Júri de Santos, decidiu que o cirurgião dentista Flávio Nascimento Graça, de 40 anos, deve ser submetido a julgamento popular. Deste modo, caberá a sete cidadãos sorteados decidir o futuro do homem acusado de se disfarçar com peruca para executar três pessoas e tentar matar outras duas. As cinco vítimas tinham ligação com a Clínica Odontológica Americana, que encerrou as atividades após três ataques em série. Quatro delas são da mesma família.


Com 23 laudas, a decisão da juíza é do dia 18 de junho e foi publicada no portal eletrônico do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) na segunda-feira (22). Nesta data, o promotor Geraldo Márcio Gonçalves Mendes e o advogado Eugênio Malavasi foram intimados da decisão. O defensor também interpôs recurso em sentido estrito ao TJ-SP. Ele não quer que o cliente seja submetido a júri, sustentando ser Flávio inimputável (não pode responder criminalmente pelos seus atos) em virtude de doença mental.


É denominada pronúncia a decisão que remete ao Tribunal do Júri a apreciação de um crime doloso contra a vida, como o homicídio. Ao pronunciar o réu, o juiz togado não pode realizar um exame de mérito para não invadir a competência dos jurados leigos, que é atribuída pela Constituição Federal. Cabe ao magistrado apenas verificar se há prova da materialidade do crime e indícios suficientes de autoria. Tais requisitos legais foram constatados pela juíza Lívia Costa no processo que envolve o dentista.


A grande discussão sobre o caso diz respeito à saúde mental de Flávio e a sua repercussão jurídica. Ele tinha consciência de seus atos no momento dos ataques e deve responder criminalmente por eles ou não possuía este discernimento, devendo ser submetido a medida de segurança consistente em internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico? Esta questão será o objeto dos debates entre acusação e defesa em plenário para, ao final, os jurados darem o seu veredicto.


“Havendo laudos divergentes acerca de capacidade de entendimento e determinação do acusado à época dos crimes, a dúvida razoável deve ser sanada pelo tribunal do júri, o qual analisará ampla e detidamente as provas e os argumentos que embasam as teses acusatória e defensiva”, fundamentou a juíza, ao pronunciar o réu. Lívia também destacou que o dentista não poderá recorrer desta decisão em liberdade. Com preventiva decretada, Flávio está na Penitenciária II de Tremembé, no Vale do Paraíba.


O julgamento do recurso em sentido estrito deve demorar, pelo menos, um ano. Enquanto ele não for julgado, o júri popular não poderá ser marcado. Constituído pela família das vítimas para atuar no processo como assistente da acusação, o advogado Ricardo Ponzetto acredita que o TJ-SP mantenha a decisão da juíza. Ele explicou que nesta fase da ação penal prevalece o in dubio pro societate – princípio pelo qual, na dúvida, se decide em favor da sociedade.


 Flávio do Nascimento Graça utiliza peruca antes de tentativa de homicídio no Gonzaga, em Santos
 Flávio do Nascimento Graça utiliza peruca antes de tentativa de homicídio no Gonzaga, em Santos   Foto: Reprodução

Segredo de justiça


Enquanto aguarda o TJ-SP julgar o seu recurso, Malavasi requereu à Vara do Júri de Santos a decretação do segredo do processo e a análise do pedido “com a urgência que a matéria admite”. Conforme o advogado, embora a regra geral seja a da publicidade dos atos processuais, o sigilo da ação penal evitaria que a divulgação do quadro clínico do dentista e de outros dados cause “escândalo” e “inconveniente grave” ao réu e à sua família. O Artigo 792, parágrafo 1º, do Código de Processo Penal, prevê tais exceções.


O promotor de justiça substituto Matheus Felipe Bassan de Medeiros já se manifestou no processo contra o pedido da decretação de sigilo e espancou os argumentos da defesa. “Impossível concordar”, enfatizou. Segundo o representante do Ministério Público (MP), “o direito à publicidade se sobrepõe ao direito à intimidade do acusado, mormente porque, como já discutido à exaustão, o laudo psiquiátrico retrata a tentativa de o acusado forjar sua inimputabilidade, não refletindo a verdade dos fatos”.


Medeiros acrescentou que “também não se contesta que os crimes causaram incomensurável comoção na sociedade santista, que, por meses, viu-se ameaçada pelo acusado e, assim sendo, possui o direito de ter acesso às informações constantes no processo, o qual perfaz verdadeira prestação de contas da Justiça”. O pedido de segredo feito por Malavasi deverá ser apreciado pelo juiz Alexandre Betini, que é o titular da Vara do Júri de Santos.


Defesa do ‘Maníaco da Peruca’ contesta Justiça por levar caso a júri popular
Defesa do ‘Maníaco da Peruca’ contesta Justiça por levar caso a júri popular   Foto: Reprodução

Controvérsia de laudos


Inicialmente, a partir de pedido do advogado do réu, os psiquiatras Wlademir Bacellar do Carmo Filho e Fabiano Furtado de Oliveira, da Seção de Apoio Administrativo à Área de Psiquiatria Forense de Santos, atestaram que Flávio, “por sua doença mental, era parcialmente incapaz de entendimento e totalmente de determinação, salvo melhor juízo”. Os médicos diagnosticaram “esquizofrenia paranoide”. A prevalecer este entendimento, o dentista não poderia responder criminalmente pelos seus atos.


Porém, este laudo foi contestado por parecer técnico de 24 laudas assinado pelo médico psiquiatra Kennedy Nejar, do Centro de Apoio Operacional à Execução (CAEx), do Ministério Público. “São completamente imprecisas as afirmações do exame mental do laudo pericial”, disparou Nejar. Segundo o médico do órgão do MP, ao examinar o dentista, ele apresentou “discurso organizado”, não demonstrou alterações de humor e se mostrou orientado no tempo e espaço, sendo, portanto, imputável.


Crimes em série


No início da madrugada de 23 de dezembro de 2014, o empresário Agilson Correa de Carvalho, de 54 anos, foi baleado ao sair da filial da Clínica Americana da Avenida Floriano Peixoto, no Gonzaga. Dono da rede de consultórios, ele morreu 72 horas depois. A segunda investida aconteceu na noite de 15 de julho de 2015. Irmãos de Agilson, Aldacy Correa de Carvalho, de 56 anos, e Arnaldo Correa de Carvalho, de 54, foram mortos. Eles estavam com um sobrinho, baleado de raspão.


Sem ainda estar identificado, o dentista voltou a agir na manhã de 23 de setembro de 2015, na Rua Marcílio Dias, no Gonzaga. Uma funcionária da clínica prendia com corrente e cadeado a sua bicicleta e o dentista a baleou cinco vezes. O consultório de Flávio era vizinho de duas filiais da Clínica Americana e faliu. A Polícia Civil apurou que o réu atribuía o seu declínio profissional à ascensão do concorrente. Segundo as investigações, esse sentimento motivou o acusado a se vingar.


O dentista ganhou nos meios policiais o apelido de Maníaco da Peruca porque usou perucas como disfarce nos três ataques. A sua captura aconteceu apenas no dia 29 de novembro de 2018. De acordo com a denúncia do MP, os crimes foram qualificados pelo motivo torpe, caracterizado pela vingança, e pelo emprego de recurso que dificultou a defesa das vítimas, alvos de emboscadas. Pelos três homicídios consumados e dois tentados, se for condenado, o réu está sujeito a pena de 44 a 130 anos de reclusão.


Dentista afirmou que só vai se manifestar em juízo
Dentista afirmou que só vai se manifestar em juízo   Foto: Vanessa Rodrigues/AT

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