Temos que 'aprender a viver nesse novo mundo', diz José Carlos Martins, presidente da CBIC

Presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins acredita em bom momento para o setor

Por: Arminda Augusto & Junior Batista & Da Redação &  -  23/02/20  -  10:54
José Carlos Martins, presidente da CBIC, concedeu entrevista para A Tribuna
José Carlos Martins, presidente da CBIC, concedeu entrevista para A Tribuna   Foto: Divulgação

Juros baixos, crescimento no saldo de empregos, perspectiva de mudança na forma de indexar os financiamentos. O cenário mais otimista da construção civil exige planejamento, boa gestão, uso das ferramentas de tecnologia e inovação. Essa foi parte da temática de encontro promovido esta semana, na Capital, pela Câmara Brasileira da Construção Civil (CBIC), com apoio do Secovi. Representantes do setor da Baixada Santista também participaram. Para José Carlos Martins, presidente da CBIC, “é preciso tirar lições da crise”. A seguir, trechos da entrevista para A Tribuna.


“Crise sempre traz aprendizados. A gente vai ter que aprender tudo de novo. Essas foram duas das colocações feitas pelo senhor. O que a crise econômica que se instalou no País a partir de 2015 trouxe de aprendizado para o setor da construção civil?


O setor está muito mais profissionalizado, muito mais amadurecido, muito mais pés no chão. Temos hoje empresas muito melhor preparadas. Às vezes, a gente exige demais do Brasil. O Brasil é uma democracia muito jovem. Nós ainda somos jovens para tratar com esses assuntos. Não temos experiência nem legado. Os países mais velhos já passaram por dezenas de crises iguais e piores que essa nossa, então, já aprenderam. Nós estamos ainda aprendendo.


A construção civil é um dos primeiros setores da Economia a sentir os efeitos da crise, mas é também um dos que mais empregam. O senhor enxerga alguma forma de minimamente blindar o setor para que não sofra tanto e acabe agravando o momento?


Um dos primeiros caminhos é desvincular do setor público. Eu estive com o presidente do Banco Central (Roberto Campos Neto) logo que ele assumiu. E ele me disse algo muito forte: lá atrás, 70% das suas ações dependiam de você; 30% do setor público. Isso inverteu: hoje é exatamente o contrário. Eu não estou falando de recursos financeiros. Estou falando de regulamentações, burocracias, decisões.....


O Minha Casa Minha Vida é um exemplo disso?


Exatamente. Veja só: estamos parados, o Brasil inteiro, à espera da decisão de um burocrata de liberar R$ 47 milhões que vão alavancar R$ 5 bilhões em contratação. Está desde o começo de janeiro segurando essa decisão. Ou seja, hoje somos ainda muito dependentes do poder público. Temos que escapar disso. A gente vivia numa gaiola. Abriram a portinha e a gente não sabe voar. A gente tem que aprender a viver nesse novo mundo.


O senhor diria que ainda há alguma distância entre o que se gerou de expectativa em torno da liberdade econômica e o que existe hoje de fato?


Olha, outro dia, conversando com alguns empresários sobre os mecanismos criados pela Reforma Trabalhista, percebemos que ninguém ainda está usando as novidades que a reforma criou, como o trabalho intermitente, por exemplo. Todo mundo ainda tá achando que o Judiciário vai ceder, acarretar um passivo se adotar esses mecanismos da reforma. Há uma insegurança jurídica muito grande. Ou seja, você não usa as facilidades da lei com medo que haja interpretação desfavorável do Judiciário. A gente tem que aprender a voar!


Essa facilidade que se está criando de financiar a casa própria pelo IPCA e não mais pela TR entra nesse contexto de “sair da gaiola”?


Claro. Seis meses atrás isso parecia absurdo e olha hoje....Vendeu-se para a sociedade que tinha que ser financiado pela TR, quando é muito melhor pelo IPCA. Como o agente financeiro tem menos risco, ele cobra menos juro de você. No instante em que você transforma em índice de preço, eu vendo pra você mais acessível. Aí, uma fintech vai valer tanto quanto o Bradesco, por exemplo.


Se alguém está ganhando com isso, alguém está perdendo também?


Quem ganha é o consumidor, e isso é o mais importante na medida em que você cria a concorrência. Todo mundo fica melhor. A concorrência faz com que todos se tornem melhores. Não existe leão gordo, porque na hora em que ele se acomodar, deixa de ter alimento. Ele precisa estar sempre atrás da caça.


Muitas empresas do setor da construção abriram ações na bolsa já desde 2006, 2007. Esse é o caminho?


Esse modelo está errado.


Como assim?


Olha o que acontece: você coloca dinheiro em uma empresa e a partir de então, “casou” com ela. Você nunca mais pega de volta. Você pega de volta só os dividendos ou você vende tua ação. Mas muitas dessas empresas não têm liquidez, então, você não consegue pegar o teu dinheiro de volta. Isso tende a desvalorizar essas ações. Segundo ponto: você que tem uma construtora com ações na bolsa, como é que faz um projeto para entregar daqui quatro anos tendo que se preocupar com as ações hoje, amanhã? Isso não funciona.


Qual o modelo certo, então?


Não é a construtora que tem que abrir capital. Você tem que ter um fundo de capital aberto, em que você invista, tire e coloque. Vai fazer um empreendimento? Pega o dinheiro, pega os recursos e depois devolve. Se o meu negócio não é esse, não faz sentido ser de outra maneira. Se o meu negócio é construir, não posso estar preocupado que o coronavírus vai fazer minhas ações na Bolsa caírem. Meu foco é outro.


Nos anos 2004, 2005, o Brasil viveu também a retomada da economia e da construção civil. Naquela época, os recursos da poupança e do próprio FGTS, que subsidiam o financiamento, eram maiores. Como retomar agora com poupança menos atrativa e menos empregos formais, portanto, menos recursos do fundo?


Não vejo nenhum problema. Justamente porque se entende agora que a indexação do financiamento não pode mais ser pela TR, mas pelo índice de preços, o IPCA. A gente sempre teve certeza de que isso, em algum momento, iria acontecer. Agora, não tem mais limite para entrada de dinheiro. O mundo é muito líquido. Agora, não tem mais limite.


O senhor diria que todo esse envolvimento das construtoras na Lava Jato abalou a confiança do consumidor e a imagem que ele tem do setor?


Veja. Esses que se envolveram não sabem lidar com o mercado imobiliário. Eles lidavam com altas margens por conta da corrupção. Não é como o mercado imobiliário, que é extremamente competitivo, e onde defendemos que não haja concentração. O problema da Lava Jato foi justamente o cartel que se criou. Cartel que poderia ter sido com remédio, educação, qualquer produto. Se você concentra na mão de meia dúzia, eles determinam como será o mercado. Qual construtora normal conseguiria trabalhar para a Petrobras? Nenhuma! Porque havia o cartel impedindo.


Então é bom para o consumidor que o mercado imobiliário não fique concentrado na mão de poucos?


É muito bom. É bom e saudável que tenha competição. Essas construtoras da Lava Jato jamais aceitaram estar na CBIC, porque a CBIC sempre foi muito transparente, assim como Secovi, Assecob, Sinduscon....Resumindo: não nos preocupa em nada o que aconteceu na Lava Jato. Não acredito que tenha afetado em nada a imagem de quem trabalha com transparência, ética e credibilidade.


Que recado o senhor daria às construtoras tendo como horizonte cinco ou dez anos?


Primeiro: se atualizem. Se atualizem em termos de tecnologia, gestão, e produto. Tem que estar atualizado em tudo. A velocidade das transformações é muito grande, e sei que para uma empresa pequena é difícil, mas sempre há caminhos. Segundo: não tenham dúvida de que nosso mercado vai crescer, e muito. Mas para estar dentro, volto na questão de manter-se atualizado. Essa é a condição para estar dentro desse crescimento.


Essa transformação passa pela questão da sustentabilidade?


Não tenha dúvida nenhuma. Isso já não é mais um diferencial. É algo óbvio. E um detalhe interessante: se você financiar um empreendimento com regras de sustentabilidade, você terá que provisionar menos o teu capital para a manutenção. Falar em inovação é falar em sustentabilidade. Falar em boa gestão é falar em sustentabilidade. O conceito é muito mais amplo do que se imagina.

 


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