Troca de ministros da Saúde contribui para derrota contra o coronavírus, dizem especialistas

Ex-ministro Arthur Chioro e infectologistas defendem discurso único durante o enfrentamento da doença e falam sobre os desafios de quem trabalha na área

Por: Nathália de Alcantara  -  17/05/20  -  12:02
Chioro diz que é trágica mais uma mudança no Ministério da Saúde em meio a pandemia do coronavírus
Chioro diz que é trágica mais uma mudança no Ministério da Saúde em meio a pandemia do coronavírus   Foto: Arquivo/Alberto Marques/AT

O cargo mais importante do País neste momento, o de ministro da Saúde, está vago mais uma vez. E, para especialistas em Saúde ouvidos por ATribuna.com.br, isso contribui, e muito, para uma derrota na guerra travada contra o coronavírus.


Para o médico sanitarista, doutor em Saúde Coletiva, professor universitário e pesquisador Arthur Chioro, é trágica a saída de mais um ministro do cargo.


“O que estava ruim, frágil e desgovernado tende a ficar mais caótico no momento mais crítico, com aumento no número de casos. Trocar ministro com menos de um mês já seria problema. Fazer isso diante do maior desafio sanitário do século é uma irresponsabilidade”.


Quando Nelson Teich, exonerado na última sexta-feira (15), assumiu o cargo de ministro da Saúde, o País registrava 2.143 mortes e 14.817 casos confirmados de covid-19. Menos de um mês depois, na data de sua saída, o Brasil já registrava 33.759 mortes e 218.223 doentes.


Para Chioro, que também atuou como ministro da pasta e liderou o enfrentamento contra o ebola, a função exige que se coordene o Sistema Único de Saúde (SUS) de forma técnica e política, com base nas melhores evidências científicas.


“Um líder faz muita falta neste momento, com um discurso coerente, de equilíbrio e unidade. A situação mais degradante que a medicina pode viver é um leigo impor a médicos um medicamento que não tem eficácia e segurança. Só posso imaginar que o presidente está brincando com a vida da população brasileira”, desabafa o especialista.


Sobre usar a cloroquina em todos os pacientes com covid-19, Chioro defende ser uma atitude “irresponsável e criminosa” e convida os colegas médicos a analisarem a situação e rejeitarem essa imposição.


“O ministro que se rebaixar e se sujeitar a esses absurdos tem de ser repudiado. O principal problema é a interferência no abastecimentos de testes, equipamentos de proteção, respiradores e transferência de recursos. Dos mais de R$ 19 bilhões autorizados pelo Congresso para a utilização do SUS, só R$ 9 bilhões foram transferidos”.


Preço alto


O diretor da Sociedade Paulista de Infectologia, Evaldo Stanislau, concorda com a visão de Chioro. O médico, que atua no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, está preocupado com a falta de um plano nacional e integrado de resposta.


“Estamos na casa de mil mortos por dia e cada minuto que não temos isso em execução, com todos caminhando na mesma direção, pagamos com o aumento da letalidade. Quem está ganhando essa guerra é o vírus e não nós”.


Ele explica que tudo o que é feito na medicina tem base técnica e o princípio básico é não fazer mal. “Todo remédio pode fazer algum mal e devemos colocar isso numa balança: tem o risco potencial e o benefício comprovado. No caso da cloroquina, existe apenas o risco. É antiético e impossível defender isso para os pacientes com covid”.


Outra preocupação de Stanislau é a mensagem que o próximo ministro a assumir a Saúde passará. “Ele já chegará com o carimbo de alguém que não age pela ciência, mas pela vontade do presidente. Como médico e cidadão, eu fico muito preocupado. Ele mesmo deveria assumir a pasta, pois o que quer é um fantoche para comandar. Não existem atalhos para a saúde”.


O doutor em infectologia e professor universitário Marcos Caseiro acredita que o Brasil está na contramão do mundo. E que o isolamento social é a melhor arma que a medicina pode oferecer hoje. Segundo ele, “não permitir uma flexibilização da quarentena é a única maneira de para as pessoas se salvarem, continuarem vivas e voltarem a produzir”.


Ele explica que, com as Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) já cheias, seria uma tragédia abrir os comércios, por exemplo. “É um absurdo pensar nisso. A coisa mais importante é estarmos juntos, sem posição partidária. Como pode, em um momento como este, cada um falar uma coisa? No final, todos perdem. Perdemos vidas. O discurso hoje precisa ter fundamento e unir as pessoas”.


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