'Temos um público que busca fazer o teste porque não conhece a própria história' diz médico

Ricardo Di Lazzaro Filho fala sobre o teste de ancestralidade, que identifica fatores biológicos que podem influenciar saúde, bem-estar e longevidade

Por: Júnior Batista & Da Redação &  -  16/08/20  -  20:03
"Enquanto jovens, demoramos para nos conhecer e aceitar algumas doenças", aponta Lazzaro Filho   Foto: Divulgação

A Psicologia prega que reconhecer-se é importante para ter qualidade de vida. E a busca do ser humano em entender-se, em pleno século 21, vai muito além da manutenção da saúde mental. Em um mundo cada vez mais conectado, estamos atrás também de entender nossas origens e um caminho que vem se popularizando cada vez mais é o mapeamento genético para descobrir nossa ancestralidade.


Um dos pioneiros no tema no País é o médico Ricardo Di Lazzaro Filho. Aos 34 anos, ele é mestre em Aconselhamento Genético e Genômica Humana pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e sócio-fundador do Laboratório Genera, que por meio de exames de DNA realiza testes de ancestralidade e identifica fatores biológicos que podem influenciar saúde, bem-estar e longevidade.


A ideia dele ao fundar o laboratório em 2010, ao lado do amigo de faculdade André Chinchio, era levar os exames genéticos ao público de baixa renda, o que lhe rendeu, em 2013, a indicação como finalista do Prêmio Jovens Inspiradores. Ao ser questionado sobre o que quer para o futuro, é humilde. “Essa já uma missão muito boa. Se a gente conseguir levar essas informações para as pessoas se conhecerem, será muito bom”. 


Os testes de ancestralidade pareciam distantes da realidade. Nos últimos anos, o que ocorreu para esse movimento se popularizar? 


Em 2014, quando começamos a fazer esses testes, eles não eram acessíveis. Porém, do ano passado para cá, em especial, vimos esse movimento aumentar. O brasileiro tem uma história muito miscigenada, infelizmente apagada a grande parte da população.


Quais fatores fizeram a busca por esse tipo de serviço subir? 


Eu diria que um dos motivos é o custo. Quando começamos a realizar os mapeamentos, eles custavam R$ 800,00. Hoje, saem a R$ 200,00. Isso é um quarto do valor e o preço sempre chamou atenção. Nesses anos, foi criada uma estrutura para fazermos aqui esses testes, algo que ocorria há tempos nos Estados Unidos. A plataforma, por exemplo, ainda era em Inglês, o que dificultava o acesso às pessoas. Criamos uma em Português, que ficou mais acessível à população. O primeiro ponto é a acessibilidade, porque se tornou financeiramente melhor. 


As pautas raciais são um ponto? 


São o segundo ponto. Nos últimos dois anos, as pautas raciais ganharam visibilidade. Está se falando mais sobre o orgulho negro e indígena no Brasil. A própria história recente do País trouxe essa discussão, a partir do momento em que tivemos mais acesso à Educação por parte das políticas de cotas raciais, por exemplo. Com mais base educacional, há também interesse em conhecer a própria história. Quando eu fiz minha segunda graduação, na USP, metade da sala era proveniente de escola pública, então vivenciei esse movimento de perto. 


Por que esse público negro busca a ancestralidade? 


Atualmente, temos um público que busca fazer o teste, principalmente, porque não conhece sua própria história e quer saber mais, o que é muito legal. Desenvolvemos parcerias focadas no público negro que deseja saber suas origens, por exemplo. Então, além de descobrir isso, há toda uma consultoria com relação a etnias, vestimentas, gastronomia e tudo do local de origem. Para essa pessoa, ocorre não só uma busca pelo conhecimento, como também um retorno às raízes. 


E o restante do perfil? 


Há os que gostam muito de Ciência, então querem ter uma noção histórica e cultural de suas origens. Além do exame de ancestralidade, ele faz o teste por genealogia, que permite inclusive conhecer parentes. Dentro da plataforma, quem tem interesse pode dar uma permissão para ser encontrado por outras pessoas com grau de parentesco que estão dentro do sistema. Tivemos histórias de pessoas que encontraram o pai por conta do mapeamento, dentro da plataforma.


É possível saber, então, se temos primos ou outros parentes, por exemplo, espalhados pelo País? 


Sim. Conseguimos descobrir o tamanho de fragmento de DNA, inclusive. Usamos uma medida chamada centimorgan. Dependendo desse centimorgan, eles se alinham dentro de um mesmo grupo. 


Ao que você atribui o avanço nas pesquisas por mapeamento genético? 


Principalmente à Ciência e ao desenvolvimento tecnológico. O primeiro rascunho do genoma humano foi descoberto em 2001. Nem sabíamos a sequência de base das pessoas. Posteriormente, a gente foi desenvolvendo novas tecnologias, que ficaram cada vez mais baratas. O primeiro genoma humano todo sequenciado custou US$ 3 bilhões (algo em torno de R$ 16,2 bilhões). Hoje, é possível sequenciar um genoma com US$ 1 mil (R$ 5,4 mil). A redução possibilitou o avanço que vemos hoje. Além disso, houve expansão. Hoje, é possível usar o mapeamento para descobrir predisposições a doenças, informações nutricionais, atividades físicas e até o envelhecimento. É como se fosse um manual de instruções seu, que pode ser usado para ter uma melhor qualidade de vida. 


Estamos falando de avaliações bem específicas... 


Sim. Há marcadores de aptidão, por exemplo, que podem dizer se você se dará melhor em esportes de explosão ou de resistência, deficiências de vitaminas, por exemplo D e K. A farmacogenética dirá como cada remédio acabará agindo no seu organismo. Podemos colocar isso no mercado e compartilhar com outros laboratórios. É conhecimento. Há estudos que indicam algumas pessoas predispostas a terem mais ou menos sintomas da Covid-19, além de algumas que criar mais anticorpos que outras. Há diversos estudos da correlação com doenças e sintomas mais graves. Disponibilizamos o reprocessamento de marcadores que temos da Sars-CoV-1 justamente por conta do coronavírus. Pretendemos ter essa evolução para entender melhor a doença, inclusive. 


Quais as ressalvas? 


Temos que tomar cuidado apenas com a questão da saúde. É muito cedo para afirmar a um jovem de 20 anos, por exemplo, quais doenças ele terá após ver uma parte do DNA dele. Se essa comunicação não for correta, pode ter uma informação enganosa. No entanto, as partes de esporte, resistência, fotoenvelhecimento e tendência de vida longeva são características possíveis. 


Estamos muito atrás em relação a outros países nesse assunto? 


Alguns estudos nos Estados Unidos já mostram que é econômico fazer esse sistema de prevenção com base no mapeamento. No Reino Unido, há um projeto para sequenciar 50 mil britânicos visando entender isso e essas pessoas já têm um bom resultado com o acompanhamento dos cientistas. No Brasil, o maior exemplo da importância desse mapeamento é o teste do pezinho. A maior parte dos brasileiros faz esse teste e isso evita uma série de preocupações. Imagino que será uma coisa semelhante a isso. 


O comportamento negacionista atrapalha os cientistas neste momento? 


Atrapalha a Ciência e o desenvolvimento tecnológico. A Ciência, a Educação e o sistema tecnológico são cruciais para ter um desenvolvimento mais rápido nessas áreas. A Coreia do Sul tinha qualidade de vida, condições sociais e cenário econômico muito piores que o Brasil há algumas décadas. Quando tiveram foco na parte científica, se superaram. Hoje, não só na parte tecnológica, mas também na científica, há avanços significativos. Polos de desenvolvimento dos Estados Unidos, como Boston e região da Califórnia, eram supercientíficos e se desenvolveram a partir dele. Ir contra a Ciência e a Tecnologia significa não fazer o caminho de sucesso. 


O Brasil está investindo o suficiente para isso? 


Por mais que tenhamos universidades que fazem bons trabalhos, os investimentos em saúde vêm diminuindo. São mais gastos com estruturas que não trazem retorno imediato. Dentro do Brasil, fazemos coisas inovadoras também, mas o mapeamento, por exemplo, só começou por aqui dez anos depois de existirem nos Estados Unidos. 


Até onde podemos ir com o mapeamento? Há um limite?


Eu sou um otimista com essa parte da genética. Acho que ela está vindo para ajudar a saúde de forma geral. O exame ficará cada vez mais acessível com o passar dos anos. Ele vai trazer tanta informação relevante que até mesmo o sistema de saúde público acabará preferindo pagar para os pacientes. A Medicina mais personalidade vai chegar cada vez mais aos lugares, mesmo isso devendo demorar um pouco. Saberemos quais exames fazer para evitar as doenças possivelmente identificadas. Enquanto jovens, demoramos para nos conhecer e aceitar algumas doenças, até mesmo as mentais. Com a evolução, junto ao aconselhamento correto, pois a genética não é tudo, só temos a ganhar.


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