Presidente do Conselho Nacional de Saúde fala sobre a gestão do SUS

'Nem sempre quem está na gestão age com eficiência e trabalha para desgastar o SUS', diz Fernando Zasso Pigatto em entrevista para A Tribuna

Por: Sandro Thadeu & Da Redação &  -  06/08/19  -  02:02
'Não podemos cair no conto que tudo que é público não presta e tudo o que é privado funciona bem'
'Não podemos cair no conto que tudo que é público não presta e tudo o que é privado funciona bem'   Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Principal espaço democrático para a construção de políticas públicas de Saúde no Brasil, a Conferência Nacional de Saúde teve início neste domingo (4), em Brasília. Até quarta-feira (7), representantes de várias regiões do país estarão discutindo propostas e definindo metas para impulsionar e efetivar os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS).


Em entrevista exclusiva concedida para A Tribuna na última semana, o presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Fernando Zasso Pigatto, destaca que o SUS passa por um momento delicado, devido à falta de recursos para o financiamento de suas ações. Apesar das dificuldades, ele é otimista e destaca a necessidade dos cidadãos e da classe política estarem comprometidos pelo seu funcionamento.  


Na sua avaliação, esse é o momento mais delicado para a sobrevivência do SUS desde a sua criação? 


Sim. O SUS é um sistema que foi criado como algo que seria o ideal para os brasileiros. A Conferência Nacional de Saúde está se propondo a fazer o balanço desses 30 anos. Por esse motivo, ela está sendo chamada de oitava mais oito. A 8ª Conferência Nacional, de 1986, foi a primeira aberta à sociedade e o relatório final dela serviu de base para o capítulo sobre Saúde na Constituição de 1988, resultando na criação do SUS. Sempre tivemos dificuldade para o financiamento do SUS, que nunca foi custeado como pensado para ser e dar conta de tudo que deveria abranger. Nos últimos anos, estamos passando por uma política de subfinanciamento, principalmente a partir de 2016, quando foi aprovada a Emenda Constitucional 95, que limita por 20 anos os gastos públicos. Depois, vieram as emendas impositivas que, ao invés de trazerem mais recursos à Saúde, acabaram substituindo os recursos que vinham de outras formas. Hoje vemos cada vez mais a política de desfinanciamento do SUS, em uma toada bem acelerada para enfraquecê-lo e justificar o repasse de atribuições à iniciativa privada. 


E qual a consequência direta disso? 


É cada vez maior o discurso sobre o SUS não dar certo. É política para fragilizar o sistema para que seja entregue à iniciativa privada. Isso não é feito por acaso, certamente. É algo deliberado. Existe a desculpa de ajuste fiscal, que não está resolvendo os problemas do país e provoca a precariedade dos serviços, inclusive para ganhar a opinião pública com o discurso que o SUS não dá certo. Na mídia tradicional, vemos que 95% do tempo são usados para falar dos 5% de coisas que estão erradas. Precisamos cada vez mais afirmar que o SUS dá certo e poderia ser melhor, se tivesse mais recursos e gestão de quem tem preocupação com a coisa pública. Nem sempre quem está na gestão age com eficiência e trabalha para desgastar o SUS, favorecendo a iniciativa privada. 


Quais são os principais inimigos do SUS? 


Creio que os principais inimigos são aqueles que sabotam o SUS em seu dia a dia, seja por meio de alguma gestão ou de compromissos assumidos com quem detém o poder econômico, e principalmente aqueles que retiram direitos da população. Foi aprovada uma reforma trabalhista que precariza o trabalho no país e fará com que as pessoas adoeçam mais. Para onde elas vão? SUS. O mesmo ocorrerá com os cidadãos prejudicados com a reforma da Previdência. Estão cortando gastos, quando na verdade retiram direitos das pessoas, em especial, daquelas que mais precisam e que utilizam o SUS. 


Como está o andamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) apresentada no Supremo Tribunal Federal (STF) para revogar a Emenda Constitucional 95? 


O CNS se posicionou contrariamente à aprovação dessa emenda constitucional. Apoiamos a Adin, que está sob a relatoria da ministra Rosa Weber. No início deste ano, solicitei uma audiência com o presidente do STF, Dias Toffoli, e pedi que a Adin fosse colocada na pauta, o que ainda não ocorreu. No próximo dia 19, estaremos com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Temos a informação que a PGR tem o entendimento que a mudança é constitucional. Queremos mostrar que essa visão é equivocada, porque essa emenda ataca direitos constitucionais assegurados à população.  


Esse assunto também está sendo tratado com os congressistas? 


Sim. Já solicitamos audiências com todos os líderes de bancada. Alguns da Câmara e do Senado já nos receberam, assim como integrantes da Comissão de Seguridade Social e Família e das frentes parlamentares da Saúde, para discutir a possibilidade de retirar Saúde, Educação e outras áreas sociais da Emenda 95. Estamos tendo algumas surpresas agradáveis, como parlamentares que foram favoráveis à emenda e já perceberam os prejuízos que ela causa ao país. Os efeitos estão sendo nefastos. Conversamos também com o ex-ministro da Saúde e senador Marcelo Castro (MDB-PI), que tem uma emenda constitucional sobre a distribuição dos royalties provenientes do pré-sal. A proposta prevê que 75% desses recursos sejam destinados à Saúde. Seria uma política de redução de danos para o setor. Mais de 40 senadores já apoiam essa ideia.  


As organizações sociais (OSs) estão cada vez mais presentes na gestão de unidades de saúde municipais e estaduais, mas são muitos criticadas. O que justifica essa visão negativa?  


A gente já tem algumas experiências negativas de OSs Brasil afora, inclusive com desvio de recursos públicos. Em alguns lugares, há experiências positivas. E cabe a esses locais mostrarem esse contraponto para quem defende essa ideia. Sabemos que, no sistema público, há lugares onde o SUS funciona e ocorre o contrário também. Os resultados dependem muito de quem está na linha de frente. A maioria dos integrantes do CNS é contra as OSs. Independente disso, precisamos fortalecer o sistema público para que ele seja eficiente e com controle social. 


Ao conversar com os gestores, a principal justificativa para contratar as OSs é maior agilidade para compras e contratação de profissionais. Não seria interessante mudar a legislação para compras e recrutamento de pessoal? 


Eu já atuei na gestão e, para desenvolver um bom trabalho, é necessário fazer um bom planejamento e uma boa gestão. Muitos optam por esse modelo para não estourar o gasto com o pessoal. Acho que é possível pensar na flexibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), porque ela veio com um objetivo, mas está na verdade cerceando serviços à população. Os recursos têm a mesma origem e continuarão sendo repassados, mas agora para OSs. Não podemos cair no conto que tudo que é público não presta e tudo o que é privado funciona bem.  


Para melhorar o SUS, os conselheiros de Saúde têm um papel importante. Como o CNS atua para prepará-los melhor em todo o País? 


Estamos investindo muito na qualificação para que eles estejam preparados para fiscalizar, debater, formular políticas públicas, influenciar diretamente na elaboração dos orçamentos e atuar na construção dos planos municipais, estaduais e nacional de Saúde. No último período, realizamos um curso presencial de controle social do SUS, feito em parceria com os conselhos estaduais de saúde. Capacitamos mais de 3 mil pessoas nessa primeira fase, no ano passado. Agora, vamos fazer uma nova etapa nesse semestre de todo o país. Também estabelecemos uma parceria com a CGU (Controladoria Geral da União) para capacitar os integrantes das comissões de orçamento e financiamento dos conselhos de Saúde. Essa iniciativa foi reconhecida como uma das principais experiências de inovação social da América Latina. Vamos abrir, agora, algumas turmas para a realização desse curso on-line. 


É possível criar mecanismos para que as definições das conferências de saúde sejam realmente cumpridas? 


Isso seria o mundo ideal. Sempre surgem propostas diferentes, fruto de debates e da construção coletiva. É importante que grande parte das propostas sejam implementadas em curto e médio prazo, para atender a expectativa de quem participou desse processo. Mas é importante ter aquelas propostas de longo prazo. Elas são a nossa utopia, nosso horizonte. Seria bom ter esse mecanismo, mas a gente sabe que isso seria muito difícil e a implementação depende do compromisso de quem está no governo, no parlamento e até mesmo no controle social. As relações políticas são complexas.


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