Câncer de mama: É preciso falar disso

O outubro é rosa para que jamais se esqueça da importância do diagnóstico precoce, que apenas pode ser feito por exames periódicos

Por: Júnior Batista  -  04/10/20  -  20:37
Câncer de mama: É preciso falar disso
Câncer de mama: É preciso falar disso   Foto: Imagem ilustrativa/Unsplash

Às vezes, é melhor dar a voz ao próprio entrevistado para que conte a sua história, do que o jornalista a reproduzi-la. Em formato de depoimento, essas mulheres relembram, cada uma, como lidaram com o câncer de mama. 


As duas ‘vanessas’ são nossas colegas de redação. Vanessa Faro, apresentadora da TV Tribuna, e Vanessa Rodrigues, fotógrafa de A Tribuna. Enquanto Vanessa Faro descobriu recentemente a doença, Vanessa Rodrigues fez uma mastectomia antes mesmo de ser diagnosticada, passando por uma experiência única e muito marcante em sua vida.


Daniela Paulino, jornalista, foi editora do extinto Expresso Popular. Muitos colegas aqui sabem como sua risada é inconfundível. 


Julyana Machado foi minha entrevistada no ano passado. Sua descoberta era recente, seus questionamentos também. Mesmo assim, chama atenção sua alegria de viver. 


Carolina Sanovicz, santista que mora na Austrália, descobriu a doença muito cedo e mostra como o câncer a transformou. 


Atingidos


É preciso chamar a atenção ao problema, que deve atingir cerca de 66 mil pessoas neste ano no Brasil, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca). 


Por esse motivo, o Outubro Rosa é tão importante. Para nunca esquecer da importância do diagnóstico. 


“Engajar a população em iniciativas que ajudem a compreender as formas de detecção do tumor, a complexidade do tratamento, a relevância de detectar doença precocemente, são essenciais no combate ao câncer de mama”, afirma o médico Egídio Cuzziol . 


E contar essas histórias com a sensibilidade que elas merecem, também. 


Histórias


Vanessa Faro, jornalista - Foi num domingo do mês de julho. Assistia a uma série com a minha filha Bruna, porém algo me incomodava. Faz dez anos da morte da minha mãe devido a um câncer de mama, mas tinha algo além da tristeza no ar. Do nada resolvi tocar no meu seio esquerdo. Foi quando senti uma bolinha, aparentemente pequena, mas com um poder enorme de me transformar para sempre. Justamente num dia 19, data do meu nascimento e da minha filha, agora dia de mais uma transformação em minha vida. Foram exames, dúvidas, médicos, opiniões divergentes e minha cabeça explodindo. Dar a notícia à minha família foi terrível, mas eles me surpreenderam. É engraçado e lindo eu chegar com marido, filha e irmão de guarda-costas em todas as consultas. Resolvi compartilhar esse turbilhão de emoções no Instagram Patricinha Casca Grossa. Vou tirar a mama esquerda e depois começar o tratamento. Me inspiro em minha saudosa mãe, Maria Faro, que também fez mastectomia e dizia que era uma guerreira amazona com apenas um seio pra melhor manejar o arco numa guerra. Também sou assim! Não importa se ficar careca. Sou guerreira, sou amazona, tenho uma missão. O que eu quero é viver! A vida passou a ter mais cor, mais cheiro, mais sabor, mais vida! 


Carolina Sanovicz, bacharel em Turismo - Cinco anos após um diagnóstico de câncer de mama aos 26 anos, às vezes me pergunto se quase esqueci. Nos momentos em que perco energia com coisas amenas, quase sinto que voltei a ser quem eu era antes. Por alguns minutos, ou horas, esqueço a grandeza da lição que foi enfrentar a morte e sou só uma pessoa normal que se irrita e se aborrece com coisas normais. Mas logo passa, e eu lembro do câncer que mudou minha vida pra melhor. Sou grata por tudo que aconteceu, sou grata pelos cabelos que caíram, pelos quilos que ganhei, pelos medos que senti, pelas lágrimas que chorei. Um diagnóstico de câncer pode ser o fim ou o começo de tudo. No meu caso, eu escolhi que fosse o começo. O começo da minha vida pós morte, o começo da minha nova vida. E essa vida eu não sei quantos anos terá, se vai durar mais 5 ou mais 50, e todos os dias faço as pazes com essa incógnita. A iminência da morte me deu mais amor pela vida e isso eu tento não esquecer nunca. Não tenho medo de morrer, mas tenho medo de morrer vivendo uma vida sem sentido. (...) Tenho medo de morrer sem ter vivido. Então, cinco anos pós o câncer, sigo aqui, levando a sério todos os ensinamentos, me lembrando o quanto sou forte e que se ele não me derrubou, nada mais me derruba. Sou resiliência e amor.


Daniela Paulino, jornalista - O câncer de mama me transformou. Não do jeito que muitos imaginam, numa Madre Teresa ou em algum outro ser divino. Nada disso. Ele me transformou de uma forma íntima, quase imperceptível a quem me rodeia, mas como um tornado dentro de mim. Hoje, mais de 10 anos depois do diagnóstico, sei que sou uma mulher forte, que ainda dá boas gargalhadas ao longo do dia. Poucas situações me amedrontam (ficar doente é uma delas) e tenho plena convicção de que aguento qualquer tranco. Descobri que me sinto bonita até careca. Não tenho paciência com quem reclama de qualquer coisa, mas aprendi a disfarçar, afinal pode ser a maior dor que aquela pessoa já sentiu. Também aprendi a dizer ‘não’ quando necessário. E a dizer mais ‘sim’ do que ‘não’ para os meus desejos, minha vida. Conheci os limites do meu corpo e o aceitei com as cicatrizes da quadrantectomia e do esvaziamento axilar, com os quilos a mais por conta de medicamentos que afetam meus hormônios, com dores diárias na coluna por conta de uma artrose (herança da quimioterapia). A única coisa que não mudou do diagnóstico do câncer de mama pra cá foi a minha vontade de (sobre)viver. Somos apenas um número para o sistema de saúde, mas somos muito mais para quem realmente importa.


Julyana Machado, professora - Há um ano, encontrei a força de que precisava para manter a qualidade de vida após ser diagnosticada com câncer de mama, em abril de 2018. Minha vida, que incluía minha filha de, então, quatro anos, mudou. Mas ano passado eu não ficava parada. Durante o período de quimio e radioterapia, ainda fazia meditação, tai chi chuan, caminhada logo cedo praia e arrumava tempo para ir aos centros ecumênicos. A força vinha do meu marido, filha e pais. Tenho15anosdecarreira. Tive que recusar uma promoção para ser diretora. Imagina uma pessoa com tudo estruturado no trabalho, ativa, que de repente se viu com um câncer aos 35 anos? Eu desmoronei. Eu vivia em função da escola, hoje valorizo muito mais a minha família. Um ano depois de dar um depoimento aqui, em A Tribuna, tive endometriose. Fiquei um ano e seis meses sem menstruar. Mas graças a Deus estou bem, após a cirurgia, superando cada dia mais e cada dia é uma vitória. Hoje estou em casa, isolada. Meu marido tirou férias quando operei. Minha filha tá fazendo aulas online, ajudo. Minha mãe fez um ateliê e a ajudo na divulgação. Sinto falta do Neo Mama, da praia, do tai chi. Fazemos terapia on-line, o permita-se. Conversamos, fazemos dinâmica, falamos besteira. É um outro meio de se distrair. 


Vanessa Rodrigues, FotoJornalista - O câncer de mama me trouxe duas cicatrizes eternas. Ambas no peito. Uma recente, pela perda da pessoa mais importante da minha vida, minha mãe. Que lutou contra a doença com muita força, fé e amor pela família. A vontade de viver era grande e todos os dias superava o longo caminho do tratamento. A outra cicatriz, pela reconstrução das minhas mamas. Seis alterações pre-malignas na mama com 35 anos. Sim, retirei 90% delas e na mesma cirurgia, fiz a reconstrução. Foram 9 horas de procedimento e muitos dias de recuperação, sem minha mãe ao meu lado. Divido esse momento íntimo da minha vida com você, porque todas nós podemos nos cuidar, com auxílio médico, para prevenção primária e rastreamento. Desde 2014, por conta do histórico na família, realizo acompanhamento médico, exames de imagem e clínicos, e auto exame. É preciso se cuidar. É preciso se tocar. E quando houver a possibilidade de mudar o curso da vida, faça. Não tenha medo. Agradeço a Deus, a minha mãe e ao meu médico pelo meu diagnóstico precoce. Pela oportunidade de descobrir antes de se transformar em um câncer. Força, sempre a temos. E cuidem-se.


Gilze Francisco, Presidente do Instituto Neo Mama - Com a pandemia, literalmente cessaram os atendimentos do Instituto Neo Mama, tornaram-se presentes o ágil WhatsApp, atendimentos virtuais através de plataformas, desde encontros para matar as saudades, até grupos de atendimentos psicológicos, orientação fisioterápica, orientação nutricional, aulas de ritmos, lives, palestras, tudo para que possamos continuar conectadas, conversando. Apesar do distanciamento, as necessidades individuais assim também são cuidadas, pois os tratamentos seguem, cirurgias foram realizadas, perdemos algumas amigas queridas, muitos parentes se foram pela covid-19, temos gestos concretos de sororidade, amizade, respeito e, principalmente, sabemos bem o que se passa dentro do coração de quem viveu a realidade do câncer de mama... mas absolutamente nada substitui o toque, o abraço, o colo e ombro de quem pode nos ajudar com sua experiência e compreende uma dor pela qual já passou. A internet tornou-se uma grande colaboradora nesta fase e inclusive no Outubro Rosa será muito utilizada! (...) Fazemos nosso possível, mas nunca é o ideal numa fase mundial tão difícil quanto a que estamos vivendo.


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