Marcelo Rech: “Há o renascimento da percepção do jornalismo como um bem fundamental”

Jornalista e presidente da Associação Nacional dos Jornais comenta, em entrevista para A Tribuna, sobre o aniversário de 40 anos da entidade e o papel da imprensa no País no Governo Bolsonaro

Por: Sandro Thadeu & Da Redação &  -  17/08/19  -  18:30
Uma das principais bandeiras da ANJ é a liberdade de imprensa;Jornalista opina sobre a MP 892
Uma das principais bandeiras da ANJ é a liberdade de imprensa;Jornalista opina sobre a MP 892   Foto: Pedro França/Agência Senado - 15/8/19

A Associação Nacional dos Jornais (ANJ) completa 40 anos neste sábado (17). A instituição, que tem A Tribuna como uma de suas associadas, atua na defesa dos interesses das publicações impressas no Brasil e promove estudos para o desenvolvimento desses veículos. Uma das principais bandeiras da entidade é a liberdade de imprensa, que está ameaçada no País. Essa é a avaliação do atual presidente da ANJ e vice-presidente editorial e institucional do Grupo RBS, o jornalista Marcelo Rech, que reprova a atitude do presidente Jair Bolsonaro (PSL) ao lançar a Medida Provisória 892, que prevê a retirada da obrigação de publicação de balanços financeiros de empresas de capital aberto em jornais, para “retribuir” a forma com que ele vem sendo tratado pela imprensa. Para Rech, esse gesto pôs o Brasil no rol de países que usam instrumentos oficiais para retaliar veículos e intimidar a imprensa. Para o representante da ANJ, a sociedade deve apoiar o jornalismo profissional, fundamental para garantir o funcionamento das instituições do País. Confira os principais trechos da entrevista concedida, por telefone, por Rech, na quarta-feira (14):  


O senhor acredita que o momento atual é um dos mais desafiadores para a imprensa no Brasil? Por quê?


Vivemos um paradoxo. Ao mesmo tempo em que estamos diante de uma oportunidade nunca imaginável para repercussão, criação e amplificação do nosso conteúdo, vivemos ameaças que não se imaginavam há 30 anos e outras que já cercavam a imprensa em todo mundo. É claro que a internet abriu uma oportunidade para chegarmos a um público novo e os conteúdos produzidos pelos jornais têm um alcance muito maior do que há 30, 40 anos. (...) Por outro lado, existe um desafio enorme de sustentabilidade de receita dos veículos. Antigamente, os classificados, que representavam cerca de um terço das receitas dos jornais, praticamente sumiram. Estamos em uma crise econômica. As receitas com publicidade vêm caindo.


O jornalismo profissional exige investimentos para bancar infraestrutura, remunerar os profissionais e oferecer um produto de qualidade. A busca por esse equilíbrio seria o maior desafio para os jornais?


Cada marca tem a necessidade de encontrar a própria estratégia. Cada jornal deve seguir o seu caminho, mas sempre respeitando princípios básicos. O primeiro deles é vendermos para o público o que de fato nós oferecemos como serviço, que são a confiança e a credibilidade da informação. Isso está escasso hoje em dia, devido à grande oferta de conteúdos e produtos, muitas vezes, sem essas características. Existe todo um arcabouço ético que agrega e que comunga a tradição do jornalismo tradicional em todo o mundo. Esse é o produto que nós oferecemos. É um produto caro, porque exige profissionais gabaritados e cada vez mais especializados para qualificar ainda mais a informação. Diante dessa onda de desinformação, vejo que há na sociedade o renascimento da percepção do jornalismo tradicional como um bem fundamental.


No início deste mês, a SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) manifestou preocupação com a “aparente represália” do presidente Jair Bolsonaro ao anunciar a MP 892, que prevê o fim da obrigatoriedade da publicação de balanços de empresas nos jornais impressos. A ANJ partilha dessa opinião? 


Não se trata de uma aparente represália, mas uma represália gigante à imprensa, como o próprio presidente assumiu publicamente. Ele disse que isso seria uma retribuição ao tratamento que ele vem recebendo da imprensa. Isso foi explícito, o que revela a tendência de regimes autocráticos ao utilizar o poder do Estado para tentar desqualificar o jornalismo e tentar silenciar a imprensa independente. Isso já acontece na Turquia, na Rússia, na Hungria e nas Filipinas. Estamos muito distantes do que acontece na China ou na Venezuela, onde o Estado controla 100% a atividade da imprensa.


O senhor acredita que teremos um retrocesso na liberdade de imprensa no País?


Nesse caso específico da MP 892, eu considero que já é um retrocesso, porque a motivação para o presidente ter tomado essa medida é o cerceamento da imprensa e, ao justificar, a deliberada fragilização dos veículos de comunicação. Não podemos aceitar que o Estado use o seu poder para provocar uma censura indireta à imprensa. Além disso, temos de enfrentar as ameaças tradicionais, como decisões judiciais para evitar a divulgação de conteúdos e das violências cometidas contra os jornalistas. O Brasil é o segundo país da América Latina com o maior número de jornalistas assassinados (26 entre 2010 e 2017, atrás do México, com 52). Outra ameaça é a intimidação articulada e organizada por grupos pelas vias digitais contra os profissionais


Muitas pessoas reclamam de que os jornais são tendenciosos ao cobrir determinados políticos e partidos. Como a ANJ reage a essas críticas? A quem interessa essa desqualificação do trabalho jornalístico?


Os extremos se atraem nesses ataques à imprensa. A gente observa a tentativa de desqualificação e descarac-terização da atividade jornalística tanto da esquerda quanto da direita. Isso acontece porque os jornais trazem informações que desagregam e causam desconforto. Como é preciso rebater as informações, a forma encontrada é desqualificar e intimidar o emissor. (...) A nossa missão é trazer a verdade, buscar a verdade e defender a pluralidade de opiniões. Os jornais trazem sempre visões diferentes com muita frequência para que a, partir delas, as pessoas possam fazer o seu próprio julgamento e formar suas opiniões.


Em 2014, o ex-deputado federal Eduardo Cunha (MDB-RJ) propôs um projeto de lei que visava a obrigar as empresas jornalísticas a retirarem matérias do site dos jornais, mas a proposta foi arquivada. O senhor acredita que esse tipo de proposta que prega o “direito ao esquecimento” será apresentada novamente?


Acredito que possa ter algum projeto tramitando no Congresso Nacional, mas não avançando. Hoje, eu vejo que o Congresso tem adotado uma postura mais explícita em defesa da liberdade de expressão e da imprensa. Naquele período, havia um misto de desconforto com as denúncias e com as investigações da Polícia Federal e do Ministério Público. Era uma forma de criar uma intimidação. Acho que foi uma onda que passou, embora seja menor hoje. Defendemos o direito à atualização, ou seja, se uma informação sobre alguém foi publicada e há dados novos, que a favorecem de alguma forma, ela tem o direito que essas informações sejam atualizadas e não apagadas.


Como o senhor enxerga a importância de jornais locais, como  A Tribuna, no momento atual para trazer ao público informações confiáveis e análises críticas dos fatos?


Os jornais locais têm um valor insubstituível. Ele é uma espécie de amálgama, que une a comunidade e é onde ela se reflete. Não há algo que substitua essa capacidade de trazer informações, repercutir os assuntos da cidade, dar voz aos diferentes segmentos da comunidade e trazer à tona as demandas coletivas da sociedade. Muitas vezes, ficamos muito bem informados sobre o que acontece do outro lado do mundo, mas não sabemos o que acontece no nosso bairro, no centro da nossa cidade. É um contrassenso. O mundo se globalizou, mas a gente perdeu o contato com essa realidade mais próxima. O jornal tem um aspecto importante por se relacionar há muitos anos, décadas e, até, séculos com a comunidade, o que é o resultado da confiança e da credibilidade do trabalho desenvolvido. Infelizmente, temos visto em várias regiões do País o chamado “deserto de notícias”, que é o desaparecimento de veículos de comunicação locais. Isso deixa a população inteira à mercê de charlatões. (...)


A ANJ fará ações para celebrar os 40 anos?


Estamos fazendo várias ações, desde viagens institucionais por diferentes regiões do Brasil até a organização de uma conferência para falar das tendências no combate à desinformação, que ocorrerá em outubro, em São Paulo.


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