Especialistas creem que a medida do STF não trará insegurança jurídica ou impunidade

Mudança de entendimento, pelo STF, sobre o cumprimento de pena após condenação em segunda instância levanta questões como impunidade e a própria estrutura do Judiciário brasileiro

Por: Eduardo Brandão & Da Redação &  -  09/11/19  -  14:26
STF votou por suspender a prisão após condenação em segunda instância
STF votou por suspender a prisão após condenação em segunda instância   Foto: Nelson Jr/SCO/STF

Para além da soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a mudança de entendimento, pelo STF, sobre o cumprimento de pena após condenação em segunda instância levanta questões como impunidade e a própria estrutura do Judiciário brasileiro.


Apesar de visões antagônicas sobre o entendimento dos ministros do STF, especialistas ouvidos por A Tribuna descartam que a medida promoverá impunidade ou trará insegurança jurídica. 


Contudo, a maioria reconhece que o atual formato poderá gerar “infindável apresentação de recursos protelatórios”, como afirmou o ministro Luís Roberto Barroso ao proferir seu voto em favor à execução da pena a partir da segunda instância, cuja tese foi derrotada. 


De posição semelhante a Barroso e à ministra Carmen Lúcia, o juiz federal da 5º Vara Criminal de Santos, Roberto Lemos de Santos Filho, afirma que a legislação permite diversos recursos que adiam o julgamento final. 


“É uma questão delicada.O direito à defesa deve ser garantido em maior amplitude. Mas há sempre esse choque da necessidade de garantir o exercício da defesa e, por outro lado, a obrigação do Estado de apurar e inspecionar os atos praticados”. 


Impressão de impunidade


O professor universitário e advogado Fabrício Posocco pondera que novo o entendimento pode gerar na sociedade a impressão de impunidade, com abalo na credibilidade do Supremo. “Passa a conclusão de que se pode cometer um crime, ficando livre enquanto não se esgotar a possibilidade de recurso”. 


O advogado criminalista e presidente da seção de São Paulo da Associação Nacional dos Advogados Criminalistas (Anacrim), Marcelo Cruz, entende que a decisão do Supremo foi acertada. 


“Para o cumprimento da pena, deve-se aguardar o trânsito em julgado em respeito à presunção de inocência. Por ser uma cláusula pétrea (sem possibilidade de mudança), não pode ser alterada mesmo por magistrados ocupantes da mais alta Corte do País”. 


Ordem constitucional


O coordenador do curso de Direito da Universidade Metropolitana de Santos (Unimes) e desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Ramon Mateo Júnior, a medida restabeleceu a ordem constitucional. 


Contudo, ele destaca que a legislação tem uma série de mecanismos de encarceramento prévio antes mesmo do julgamento das ações de primeiro grau. “Ainda havendo possibilidade de a pessoa ser absolvida em instâncias superiores”. 


O presidente da Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Santos, Rodrigo Julião, destaca que o placar apertado (6 a 5, no STF) revela uma dúvida jurídica e chama a atenção para ampliar o debate sobre o assunto. 


“A matéria é muito cara à Justiça criminal, defensora, sobretudo, do direito de liberdade. A advocacia criminal é um importante braço do Direito e a Constituição Federal, nosso guia maior. As duas devem ser respeitadas”. 


Conserto


Eduardo Kliman, presidente da OAB São Vicente, sustenta que a mudança de entendimento do STF conserta o erro gerado a partir de 2016. 


“A Constituição Federal é clara ao dispor que o réu só é declarado culpado com o trânsito julgado da ação. Embora a terceira instância não analise os fatos do processo, ela pode cancelar todo o feito, se constatar irregularidade processual. Imagine o prejuízo ao cidadão que cumprir uma pena provisória e depois, ao final do processo, for julgado inocente?”. 


Decisão


Por 6 votos a 5, o Supremo decidiu na noite de quinta-feira (7) que agora os réus podem aguardar em liberdade até que todos os recursos estejam esgotados. O placar apertado, definido pelo voto de minerva do presidente do STF, Dias Tóffoli, reverteu entendimento aplicado desde fevereiro de 2016, ocasião em que o plenário acatou a tese, em um caso específico, de que a pena poderia ser executada após a condenação em segunda instância.


No público, sensação de impunidade 


Dados do Conselho Nacional de Justiça apontam que mais de 5 mil réus podem ser beneficiados pela decisão do STF. Todos tiveram a prisão ratificada após decisão em segunda instância, sem ter qualquer outro agravante que determinasse o encarceramento – como eventual obstrução de Justiça, risco de fuga ou apresentar perigo real à sociedade. 


O mais célebre deles é o ex-presidente Lula. O presidente estadual da Anacrim, Marcelo Cruz, explica que a determinação do STF gerou na opinião pública a sensação de que vai prevalecer a impunidade. 


Contudo, destaca que a maioria dos ministros do Supremo entendeu pela manutenção da presunção de inocência – ou seja, o acusado não tem culpa até que se prove o contrário. 


“Isso não significa que as pessoas serão soltas imediatamente. Apenas aquelas que tiverem em sua motivação da prisão o cumprimento da pena por ter sido julgada em segunda instância podem ser beneficiadas. A presunção de inocência não corresponde a impossibilidade de prisão. Até porque (o juízo) pode decretar prisão temporária e preventiva”, explica. 


Provisórios


O advogado criminalista Armando de Mattos Junior afasta risco de que a mudança eleve a expedição de encarceramento provisório ainda na análise em primeiro grau. 


“Em caso de crimes bárbaros, o juiz pode determinar a prisão, a ser ou não reformada em instância superior”. Segundo ele, 30% das sentenças ou acordos são revistos nas apelações. “Se o Tribunal entender se tratar de um caso grave, o réu permanecerá preso. Não haverá impunidade alguma, mesmo com a decisão do Supremo”.


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