Um artigo acadêmico publicado na revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana na última semana tem dado o que falar em Portugal. De autoria de Juliana Chatti Iorio, uma investigadora brasileira que trabalha no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES) e no Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT), da Universidade de Lisboa, e que vive em Portugal há 20 anos, o artigo intitulado Falas português chama a atenção para a falta de preparo das universidades portuguesas para com os estudantes brasileiros e timorenses.
O trabalho inclui testemunhos de vários estudantes oriundos do Timor e do Brasil que se queixam de professores que criticam a linguagem que usam e as traduções que leem e, ainda, que lhes pedem mesmo para começar a “falar português”. O que muitas vezes é puro preconceito enraizado de alguns professores é, segundo o artigo, uma falta de estrutura das instituições, que não estavam preparadas para um boom de alunos estrangeiros oriundos de outros países de língua portuguesa, como é o caso do Brasil e de Timor.
“Quando entrei para o mestrado, em 2003, havia cinco estrangeiros na minha sala. Era outra realidade. Hoje, há cursos em Portugal que têm mais estudantes estrangeiros do que portugueses, e eu penso que muitas faculdades ou institutos não estavam preparados para isso”, disse a autora do artigo, que contou com mais de 50 entrevistas em profundidade e outras 449 respostas de inquéritos.
Em comum, há queixas sobre a falta de “apoio efetivo e afetivo na chegada ao país”, devido à falta de sensibilização dos professores para as dificuldades que os alunos enfrentam. “Não me refiro só à logística, mas sobretudo à compreensão das diferentes culturas que pretendem receber. Se estão abertos para receberem estudantes de diferentes culturas, os professores, funcionários, enfim, a comunidade docente e discente tem que estar aberta para conhecer e procurar entender estas diferentes culturas”, defendeu Chatti lorio.
No artigo lê-se ainda que “a não-aceitação da língua portuguesa falada e escrita por esses estudantes, bem como os casos de discriminação sofridos em sala de aula por parte de alguns professores, evidenciou que ainda muito trabalho deverá ser feito para desconstruir a representação de que o português é imune ao racismo e possui uma predisposição para o convívio com outros povos e culturas”.
E acrescentou: “o português ainda age como se fosse a ‘metrópole’ a ditar as regras do uso da língua portuguesa às suas ‘colônias’, quando inferioriza a maneira como a língua portuguesa é utilizada pelos outros países lusófonos. Muitas vezes, os próprios professores não aceitam a língua portuguesa falada e escrita no Brasil, discriminando mesmo o seu uso em sala de aula e não permitindo o uso de livros cuja tradução seja feita no Brasil”.
Eu mesmo – este que vos escreve – já passei por inúmeras situações parecidas de preconceito com a escrita e a fala dos termos brasileiros em sala de aula, na Universidade de Coimbra, durante o curso superior e até mesmo durante o Mestrado. É uma pena, porque os brasileiros já são quase metade dos alunos que frequentam as principais universidades portuguesas, que muitas vezes permitem o uso do inglês em sala de aula para acolher os estudantes Erasmus (de nacionalidades europeias), enquanto combatem as variações da língua portuguesa no acolhimento aos estudante lusófonos.
Vale lembrar que o português é a quinta língua mais falada do mundo e muito disso se deve ao Brasil, que deixou de ser colônia no início do século 19.
Sobre o autor
Luiz Plácido é jornalista, apresentador do programa Destino Portugal (transmitido no canal de tv a cabo Travel Box Brazil) e proprietário da agênciade turismo Destino Portugal Viagens. Ele escreve na coluna Conexão quinzenalmente, às quintas-feiras.