Conexão Japão: Renúncia ao Confucionismo

A sociedade japonesa tornou-se patriarcal quando valores confucionistas foram adotados da China, então um importante centro cultural e tecnológico

Por: Yukio Spinosa - De Nagoia  -  04/03/21  -  20:51
Conexão Japão: Ex-premiê Abe enfrenta sabatina
Conexão Japão: Ex-premiê Abe enfrenta sabatina   Foto: Unsplash

A partir da liberdade de imprensa, pensamentos que atrasam o aperfeiçoamento do mundo são discutidos e eliminados. Nas últimas semanas, a mídia internacional noticiou o discurso que levou à renúncia do político veterano Yoshiro Mori, então presidente do comitê organizador das Olimpíadas de Tóquio, que acidentalmente expôs a desigualdade entre homens e mulheres no Japão. Um dos artigos mais influentes foi o que a ONG internacional de direitos humanos Human Rights Watch publicou sob o título “Medalha de ouro para o sexismo no Japão”. 


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A sociedade japonesa tornou-se patriarcal quando valores confucionistas foram adotados da China, então um importante centro cultural e tecnológico, 500 anos antes de Cristo. Segundo a coletânea Country Studies sobre o Japão, da biblioteca do congresso norte-americano, “confucionismo é a prática de valores de conduta próprios, especialmente em relações sociais e familiares”, baseado em status hierárquico para garantir um “funcionamento harmonioso” da sociedade.


Muito antes do ano 2000, quando Mori exerceu brevemente o cargo mais importante do país, o mercado de trabalho já submetia as mulheres a salários menores, ao enorme rigor em padrões de beleza e ao comportamento submisso. Tem sido assim há séculos, mas não será por muito tempo. 


No livro O Iluminismo Japonês - um estudo dos escritos de Yukichi Fukuzawa, a japanologista da Universidade de Cambridge Carmen Blacker evidencia o caráter igualitário entre os gêneros da filosofia de Fukuzawa, o mais influente intelectual do início da era Meiji (1968), quando o Japão decidiu modernizar-se para igualar-se às potências ocidentais, temendo o destino da Índia e da China, que foram colonizadas, num mundo globalizado pelo mercantilismo e dividido entre os reinos da Europa.


“A base da moralidade humana repousa na relação (monogâmica) entre o homem e sua esposa.Ambos, homens e mulheres são seres humanos e não há razão para supor que um é mais importante que outro”. Assim escreveu Fukuzawa, atualmente a efígie da cédula de maior valor, a nota de dez mil ienes, uma prova da sua importância no pensamento japonês. 


A igualdade idealizada no tratado “A Nova Família”, de Fukuzawa, antagonizava com os valores confucionistas e o antigo costume chinês de manter concubinas, com o pretexto de assegurar a continuação da família, o que Fukuzawa considerava repleto de desgraça, baixo e sem razão. 
Se há 2.500 anos, o confucionismo foi importante para educar um povo bárbaro, no final do século 19, os ensinamentos que pregavam a distância entre os sexos desde a infância e resumia a relação entre homem e mulher meramente ao desejo sexual finalmente começaram a ser entendidos como primitivos, comparados à cultura ocidental, onde homens e mulheres já sentavam-se à mesa, conversavam e se divertiam juntos. 


Parte desse sistema primitivo de entender o mundo e categorizar as pessoas é o famoso conceito dualista de “yin e yang”, algo que o Japão precisou descartar para alcançar o grau de desenvolvimento que almejava, tornando-se civilizado o suficiente para ter a revisão de acordos desiguais com os europeus. Para a lixeira cultural do período Meiji, o iluminismo do Japão, foram também conceitos como: “a estupidez é uma virtude da mulher”, que remete a sua “inescapável” natureza “yin”; “o útero é algo emprestado”, que implica que as crianças pertencem inteiramente ao pai, admitindo que o corpo da mãe foi simplesmente alugado para a gestação; “uma mulher pura jamais busca por um segundo marido”, o que é absurdo e prejudicial à saúde da mulher.


Portanto, a moralidade confucionista sintetizada no discurso de Mori é reflexo de uma cultura milenar que há menos de 200 anos começou a se modernizar, rompendo com ensinamentos surreais, ainda vigentes em outros países da sinosfera, a área de influência cultural chinesa.


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