Conexão França: Réveillon sem liberté de ir e vir

Colunista Diana Gonzalez explica como a greve no setor do transporte público contra a reforma da Previdência prejudica os parisienses na virada do ano

Por: Diana Gonzales - De Paris  -  31/12/19  -  17:12
Circulação de transporte público em Paris foi paralisada no último dia 5
Circulação de transporte público em Paris foi paralisada no último dia 5   Foto: Alain Jocard/France Presse

Último dia do ano. E o que se pode dizer é que esta reta final de 2019 está sendo um calvário para os parisienses por conta da greve no setor de transportes em protesto à reforma da previdência.


A paralisação iniciada no último dia 5 é o assunto que domina todas as conversas dos parisienses. “Como você faz para chegar ao trabalho? Como você vai fazer para viajar pra passar o Natal com a sua família?”. Sem poder se locomover, os parisienses estão anulando as confraternizações típicas de fim de ano, os encontros, a vida social… Até porque ultimamente não se consegue nem chegar ao trabalho.


Para se entender o tamanho do impacto desta paralisação no cotidiano dos habitantes da Capital é importante precisar certas diferenças culturais entre os parisienses e os brasileiros e compreender a importância do transporte público na vida do francês.


Por exemplo, em Santos, pesquisas indicam que existe um carro para cada dois habitantes. Enquanto isso, de cada dez domicílios parisienses, seis não possuem carros. Dos trajetos realizados pelos habitantes da capital francesa, apenas 13% são feitos de carro. Ou seja, os parisienses se locomovem quase que exclusivamente em transporte comum, sobretudo utilizando o metrô.


O sistema de transportes da aglomeração parisiense é bem eficaz e servido. Apesar disso, mesmo num contexto normal, o trajeto para o trabalho costuma ser penoso e longo para a maioria dos habitantes da região.


Durante estes dias de greve, a situação, então, tem se mostrado insuportável. A cada dia, moradores de Paris vivem uma batalha para descobrir como fazer para se chegar ao local de trabalho. Isto porque, das 16 linhas de metrô, apenas duas funcionam normalmente, pois são as únicas automatizadas.


Na maioria dos dias, dez das 16 linhas foram completamente interrompidas. Quatro funcionam apenas nos horários de pico e, no esquema um trem a cada três, além de não servir todas as estações. Ou seja, a superlotação é assustadoramente sufocante.


Transtornos


Normalmente, levo uma hora e dez minutos de casa até o meu local de trabalho e uso duas linhas de metrô (uma delas está desde o dia 5 totalmente paralisada). Com a greve, tenho que fazer um caminho diferente, sair uma hora mais cedo do que habitualmente e sem garantias de que chegarei sem atraso.


Espero passar alguns metrôs até ter a coragem de mergulhar no mar de gente do vagão. Já viajei tão prensada contra a porta que tive até um torcicolo por conta do longo trajeto feito numa posição desconfortável. Neste mês, tenho gasto no dia 4h20 de trajeto ida/volta de casa ao trabalho e a minha situação ilustra a de muito parisienses.


Para aqueles que pegam um táxi ou Uber, a conta foi salgada. Às 6h30 de um dia de greve, o congestionamento chegava a 230 Km numa região em que normalmente tem 50 Km.


Diante da impossibilidade de seus funcionários chegarem até o escritório, a empresa onde trabalho resolveu me pagar um táxi no segundo dia de greve. Bom, a corrida (ida e volta) saiu quase o dobro do que ganho no dia. Não foi preciso mais tentativas para a empresa decidir não me propor mais esta possibilidade.


Na primeira semana de greve, eu dormi todos os dias na casa de uma colega que mora perto da linha automática, afinal, era a única garantia de que conseguiria chegar ao trabalho.


Todos os dias


Com tudo isso, a economia está sendo enormemente afetada e mesmo pior do que no ano passado. Um representante do setor de comércios disse que apesar dos gilets jaunes terem provocado impacto negativo nas vendas de fim de ano em 2018, os protestos eram realizados apenas nos finais de semana. Assim, os outros dias estavam livres. Agora, todos os dias são impactados pela ausência dos transportes.


Apesar do medo do futuro por conta da reforma da previdência, é certo que o parisiense dá um adeus bem veemente ao ano de 2019 e espera que em 2020 se possa ao menos ter a “liberté” de ir e vir usando os transportes públicos.


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