Conexão França: Confinamento obrigatório

Como tudo que é novo, a situação é assustadora. Porém, necessária

Por: Diana Gonzales - De Paris  -  24/03/20  -  19:50

Nesta terça-feira (24), entramos no oitavo dia de confinamento obrigatório aqui na França. A medida, de combate ao coronavírus, foi anunciada na segunda-feira da semana passada em pronunciamento feito pelo presidente Macron, que indicou que o país passaria a ter medidas mais drásticas face ao que que ele chamou de “guerra sanitária”.


As iniciativas tomadas pelo governo evoluíram e mudaram de tom em poucos dias. Na quinta-feira (12/3), foi decretado o fechamento de escolas e creches. No sábado (14/03), o primeiro-ministro interveio em rede televisiva nacional, anunciando o fechamento de bares e restaurante e todo o tipo de comércio, permanecendo abertos apenas mercados alimentícios e farmácias. Ele pediu para que os franceses limitassem ao máximo suas saídas. Já na segunda-feira (16/3), às 20 h, veio o anúncio de que seria proibido sair de casa e que a medida entraria em vigor já no dia seguinte.


Para quem tinha que trabalhar na terça-feira cedo, sobraram apenas algumas horas para decidir o que fazer, pra onde ir e com quem se confinar nos próximos, no mínimo, quinze dias.


Muitas pessoas correram de última hora em busca de passagens de trem e ônibus, para se abrigarem com suas famílias. Foi o caso de dois franceses que moram comigo e que, às pressas, decidiram fugir da capital e passar o confinamento com suas respectivas famílias. No dia seguinte, as rodoviárias e estações de trem estavam lotadas – as pessoas muito próximas umas das outras, não respeitando a distância preventiva de 1 metro. 


Após o anúncio do presidente, eu recebi convite de amigos para me “refugiar” com eles durante o período. Já eram 10 horas da noite. Na impossibilidade de fazer como meus “vizinhos de quarto” e correr pra próximo da minha família, tive que driblar a minha ansiedade e o medo face ao desconhecido e ser racional, pois deveria escolher onde me isolaria por um período indeterminado. Tive pouquíssimo tempo para decidir e entrar em ação: juntar tudo o que eu precisaria, mais o computador do trabalho, duas telas e todos seus aparatos, comida, e correr para que, no dia seguinte, às 9 horas, eu já estivesse instalada e operacional no meu suposto novo home office. Optei por ficar em minha casa mesmo.


Justificativa para sair


Agora, saídas apenas com justificativa e unicamente por razões essenciais: comprar itens básicos de comida em mercados próximos de sua residência; por motivos de saúde; para trabalhar (quando não é possível fazer teletrabalho e com justificado empregador); para cuidar de familiares vulneráveis; para necessidades de cachorros à proximidade de casa; ou para correr e caminhar, porém sozinho e que não ultrapasse 1 km de distância da residência. 


Toda saída deve ser acompanhada de um atestado, que pode ser baixado no site do governo ou escrito a mão, indicando a razão de sua saída. O descumprimento das regras acarreta em multa de € 135. Em caso de reincidência, o valor sobe para € 375, podendo mesmo o infrator ser colocado sob custódia policial. Até agora, mais de 40 mil multas já foram emitidas pelas forças de ordem. 


O discurso de Macron, revelando um endurecimento na atitude do governo, veio um dia após as eleições municipais, realizadas em toda a França no domingo retrasado, dia 15. Nesse mesmo dia, surgiram os primeiros raios de sol após o fim do período invernal, fazendo com que boa parte da população fosse para os parques e ruas aproveitar do clima. 


O cenário de franceses indo às urnas e o de jovens nas ruas do domingo ensolarado chocou nossos vizinhos italianos, que divulgaram as imagens em seus noticiários mostrando a “irresponsabilidade dos franceses” face à crise sanitária.


Solução ao desemprego


A empresa em que trabalho, assim como outras, prevendo a possibilidade de entrarmos em quarentena obrigatória, já havia instaurado o teletrabalho ao longo da semana que precedeu o isolamento obrigatório. Outras empresas incitavam seus funcionários a levarem para casa o notebook após o expediente, pois, caso a medida entrasse em vigor da noite pro dia, eles já teriam com o que trabalhar. 


Muita gente não tem a possibilidade de fazer “home office”, seja pela diminuição da demanda de produção, seja pela própria função, como é o caso de garçons e de quem trabalha em comércio. 


Para essas pessoas existe na França um dispositivo chamado “desemprego técnico” (tradução livre) – é uma solução destinada às empresas que se vêem na obrigação de reduzir suas atividades por razões econômicas. Assim, os trabalhadores são afastados ou passam a trabalhar em menos horas, mas continuam a receber da empresa um salário de “substituição”. Este subsídio é, em seguida, reembolsado pelo Estado às empresas que aderem à medida.


A estratégia permite que as empresas não façam demissões e que, quando a situação retorne ao normal, os funcionários possam retomar suas atividades profissionais. A medida, que já existia antes do coronavírus, proporciona ao trabalhador afastado 84% de seu salário líquido. Porém, o governo informou recentemente que irá cobrir a remuneração a 100% .


O Ministério do Trabalho anunciou que a mesma medida funcionará igualmente para trabalhadores do lar, como empregadas domésticas e babás, por exemplo. O Ministério da Economia estima que esta medida custará € 8 bilhões ao Estado somente nos próximos dois meses. 


Para as pequenas empresas, o pagamento de aluguel, eletricidade e gás poderá ser suspenso, caso eles se encontrem em dificuldade.


Tudo indica que o confinamento obrigatório será prolongado. Até a semana passada, a França contava com 450 mortos.


Confinamento não é fácil. O metro quadrado de um apartamento em Paris é um dos mais caros do mundo. Sendo assim, muito parisienses estão confinados em áreas muito pequenas, as vezes em 10 metros quadrados. Coisas de enlouquecer. Porém, necessária...


Já moradores de rua não têm nem onde se isolar. Eles já vivem isolados da sociedade, que agora parece começar a perceber que a saúde é mais urgente que o capital.


Como tudo que é novo, a situação é assustadora. Porém necessária.


Sobre a autora


Diana Gonzalez é jornalista, com mestrado em Comunicação pela Universidade de Lille (França) e escreve na coluna Conexão Mundo, do jornal A Tribuna, quinzenalmente, às terças-feiras.


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