Conexão Austrália: Da lata no supermercado a um mercado bilionário

Nesta edição da coluna, Fabiana Marinelo fala sobre a cobiça dos chineses em relação ao leite em pó australiano

Por: Fabiana Marinelo - De Sidney  -  07/06/19  -  23:38

Imagine você ir ao supermercado para comprar leite em pó para o seu bebê – aqui na Austrália chamado de baby formula – e enfrentar uma verdadeira guerra pelo produto? Esse é um fato curioso daqui que vou abordar esta semana e uma oportunidade de tratar sobre consumo, guerra comercial e comportamento.


O assunto baby formula aqui na Austrália é levado a sério. Isso porque existe um verdadeiro mercado interno chinês que compra enlouquecidamente o produto. Em algumas regiões, as latas mal conseguem chegar às prateleiras. Cenas chocantes de pessoas brigando pelo leite em pó já foram registradas para espanto da grande maioria da população.


Existe até um nome para os compradores chineses, os Daigou. Eles possuem negócios lucrativos baseados na compra de produtos australianos para exportação para a China. Os Daigou possuem lojas virtuais na China e neste mercado há de tudo: cosméticos, vitaminas e suplementos, roupas, alimentos e, claro, leite em pó. A baby formula é o carro-chefe deste mercado porque, há alguns anos, foram encontrados contaminantes no leite produzido na China.


O escândalo do leite chinês ocorreu em 2008 e ocasionou a morte de seis crianças e pelo menos 300 mil doentes. Até hoje, a quebra na confiança pelo produto persiste, embora tenha se passado quase uma década. Com isso, parte das famílias opta pelo leite importado. E como o consumo é altíssimo, a quantidade oficialmente importada de países da Europa, mais a Austrália e os Estados Unidos acaba rápido. O que abre espaço para a venda no mercado informal e, consequentemente, a criação de negócios como os liderados pelos Daigou.


O fenômeno que se vê nos supermercados lembra muito as épocas amargas do Brasil da hiperinflação, quando as pessoas se acotovelavam por um saco de feijão. O governo local procura controlar o consumo ao limitar a compra do produto por duas latas por pessoa. Mas o que ocorre – do mesmo jeito que acontecia no Brasil de “antigamente” – são pessoas enfrentando a fila mais de uma vez.


Muitos Daigou vivem exclusivamente deste negócio, então, não há problema em passar horas nos supermercados. Mas a briga pelo leite em pó infantil vai muito além do varejo. É possível que, em um futuro próximo, este mercado seja afetado por decisões do governo chinês.


Em mais um movimento puxado pela guerra comercial entre a China e os Estados Unidos, produtores locais chineses querem aumentar a fatia de mercado deles no consumo local dos atuais 47% para cerca de 60% e reduzir a entrada dos produtos importados. Empresas australianas já sentiram o impacto e tiveram queda em suas ações na Bolsa. Os maiores exportadores de leite infantil para a China são os EUA e a Europa. Mas para a Austrália e a Nova Zelândia, o mercado chinês é uma fonte significativa de crescimento. E estamos falando de uma indústria de US$ 27 bilhões.


A briga comercial com os EUA está impulsionando a China a voltar-se ainda mais para os produtores locais. No mercado de leite, por exemplo, o governo visa a implementação de mais regulamentações. Os produtores australianos sempre souberam que suas vendas no mercado chinês eram vulneráveis a mudanças regulatórias e, há algum tempo, já lidam com exigências adicionais. Agora é esperar para ver o impacto das medidas na grande indústria e também no comportamento dos pequenos negócios dos Daigou.


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