Conexão Argentina: Psicólogo não é só para loucos, e disso os portenhos sabem

Nesta edição da coluna, Samuel Rodrigues fala sobre a quantidade e presença de psicólogos que chega a ultrapassar o número de dentistas do país

Por: Samuel Rodrigues - De Buenos Aires  -  12/02/19  -  23:10

Não é exagero dizer que metade de Buenos Aires vai ou já foi regularmente ao psicólogo. A capital argentina, que a exemplo de São Paulo pode ser bastante estressante, tem uma das maiores taxas de psicólogos per capita do mundo. Na terra do tango, há 1.280 terapeutas para cada 100.000 habitantes, segundo um levantamento acadêmico de 2012, o mais atual disponível, e pelo menos 10 universidades oferecem o curso na cidade. O país, como um todo, tem uma proporção de profissionais pelo menos três vezes maior que a da Finlândia, a segunda do ranking.


“Somos tantos os psicólogos na Argentina que superamos em quantidade os dentistas, o que provavelmente é um caso único no mundo”, escreveu Alejandro Dagfal, historiador da Psicologia, em artigo publicado há alguns anos no La Nación. E há demanda. Segundo a lógica de Dagfal, para o argentino, e particularmente para o portenho, é mais importante ordenar os pensamentos que o sorriso.


A ampla aceitação das psicoterapias pela classe média educada, sem o caráter às vezes negativo que se dá ao campo no Brasil, tem relação com a própria cultura popular daqui, segundo a qual o trabalho do psicólogo é fundamental para o autodesenvolvimento e a saúde mental. Trabalhar os problemas internos não é coisa de louco, e disso os portenhos sabem. Os planos de saúde também, tanto que muitos incluem algumas sessões por ano na cobertura.


Para dar um exemplo pessoal e usar a comparação de Dagfal, não tenho contato frequente com muitos dentistas na Argentina, mas conheço quase 10 psicólogos, contando com a minha. Houve um tempo em que muitos consultórios se concentravam no entorno da Praça Güemes, em Palermo, região que, por essa razão, chegou a ser conhecida extraoficialmente como Villa Freud.


Os psicólogos atendem gente como a professora Natalia Genia Bianchi, de 37 anos, que começou a fazer terapia aos 20 para encontrar explicações para alguns medos e inseguranças. “Quando comecei, queria solucionar e entender já os problemas. Era tudo urgente”, disse. Com os anos, ela entendeu que não era bem assim que funcionava. Entre idas e vindas, passou a trabalhar assuntos diferentes, como a maternidade, “em uma etapa em que precisei de apoio, de ajuda, e me sentia desorientada”. Com diferentes tipos de abordagens e terapias, inclusive em grupo, ela foi “superando algumas coisas e sanando outras”.


Natalia está longe de ser exceção em Buenos Aires. Até o papa Francisco, ex-morador da cidade, revelou que já recorreu a uma profissional da área. Ele contou em entrevistas ao sociólogo francês Dominique Wolton para o livro “Pape François, Politique et société” (“Papa Francisco, Política e sociedade”, sem tradução no Brasil), de 2017, que passou por sessões de psicanálise quando tinha 42 anos. “Eu me consultei com uma psicanalista judia. Durante seis meses fui à casa dela uma vez por semana para tornar algumas coisas mais claras”, disse, segundo trechos do livro publicados por jornais como New York Times e The Guardian.


Entre os adeptos, é comum ir trocando de terapeuta até descobrir a melhor abordagem para os objetivos almejados. Quando o psicólogo adequado é encontrado, pode nascer uma relação duradoura. Para se ter uma ideia, em um programa de rádio, na semana passada, um dos apresentadores anunciou que vai se casar e confidenciou um dilema aos colegas: convidar ou não a psicóloga de tantos anos?


Não sei. Mas na atual conjuntura econômica da Argentina, quando a conta da festa chegar, talvez ele precise de algumas sessões extras.


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