Conexão Argentina: crise argentina prejudica montadoras brasileiras

De janeiro a setembro, as exportações brasileiras para o país argentino sofreram queda de 39%. Samuel Rodrigues explica o motivo em sua coluna

Por: Samuel Rodrigues - De Buenos Aires  -  08/10/19  -  22:18

Quando o Brasil espirra, a Argentina pega uma pneumonia. O refrão é famoso em Buenos Aires. E o inverso, é verdadeiro? Em parte. Quando sua terceira maior parceira comercial vai mal, o Brasil costuma sentir o golpe. Em menor escala, mas sente. 


De janeiro a setembro, o Brasil exportou US$ 7,4 bilhões para a Argentina, uma queda de 39% em relação aos US$ 12,2 bilhões do mesmo período do ano passado, segundo dados oficiais do Ministério da Economia brasileiro. Ainda assim, a Argentina foi o destino de 4,5% das exportações brasileiras. China (US$ 46 bilhões) e EUA (US$ 21 bilhões) são, de longe, os maiores parceiros comerciais do Brasil, com 27% e 13% de participação, respectivamente.


Há quem diga que a Argentina não é importante para o Brasil, mas basta olhar os números para saber que não é bem assim. As exportações brasileiras caíram de US$ 177 bilhões para US$ 167 bilhões de janeiro a setembro. A Argentina, em crise econômica e possivelmente prestes a trocar de presidente, é responsável por quase metade da queda.


Mais importante ainda é o tipo de produto enviado à Argentina. O país é o segundo principal destino de bens manufaturados brasileiros, atrás apenas dos EUA. No acumulado até setembro, a Argentina comprou US$ 396 milhões em produtos industrializados brasileiros, ou 9% de tudo que a indústria nacional exportou. À frente dela, apenas os EUA, com US$ 1,1 bilhão e 26% de participação. A depressão do lado de cá do Rio da Prata aprofundou a diferença de um ano para o outro. Entre janeiro e setembro de 2018, as participações de EUA e Argentina eram de 20% e 14%, respectivamente.


Considerando que o principal produto exportado do Brasil para a Argentina são os automóveis, a crise por aqui atinge as montadoras brasileiras em cheio. Basta ver os dados mais recentes divulgados pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). De janeiro a setembro, o número de automóveis exportados pelo Brasil caiu 35% em relação ao ano anterior, para 337,5 mil unidades. A produção geral até subiu (2,9%) graças ao mercado interno brasileiro, mas essa alta talvez fosse maior se a vizinha estivesse com as contas em dia. O reflexo já se sente no número de postos de trabalho: houve queda de 3,4% de 2018 para 2019 e o total hoje é de 127,9 mil empregos no setor automotivo brasileiro.


A explicação é simples: com seu poder de compra reduzido devido à pulverização do peso em relação ao dólar, o argentino está comprando menos de tudo, inclusive carros. E o automóvel é um dos itens de alto valor agregado mais emblemáticos produzidos pela indústria brasileira, ao lado dos aviões da Embraer.


Pode parecer ignorância pedir atenção à exportação de produtos industrializados considerando sua participação marginal, de apenas 2,6%, nas exportações brasileiras. Os grandes destaques da balança comercial brasileira, afinal, continuam sendo a soja (12,7% de participação), o petróleo (10,5%) e o minério (9,9%). Há quem diga que a indústria manufatureira não é a vocação do Brasil e que devemos centrar esforços no escoamento de grãos e minérios. Discordo. Apenas uma pauta de exportação mais rica e variada pode nos proteger dos altos e baixos dos preços das commodities no mercado internacional. Do contrário, estaremos eternamente à espera de um novo superciclo que nos devolva algum protagonismo.


Somente com uma indústria, forte começaremos a transformar o Brasil no país que sempre quisemos – próspero, menos desigual, com pleno emprego, na vanguarda da tecnologia. Hoje, infelizmente, caminhamos no sentido contrário. 


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