Conexão Ásia: Aliados e Rivais

Colunista Yukio Spinosa explica a aproximação das relações comerciais entre Rússia e China

Por: Yukio Spinoza - De Nagoia  -  27/12/19  -  20:35

Para decepção dos iluministas desde o século 17 e libertários do século 20, na segunda década do século 21, uma profecia orwelliana começa a tomar forma. As relações diplomáticas entre os países com a maior população e o maior território do planeta, respectivamente China e Rússia, vivem seu melhor momento na história.


O sucesso dessa parceria deve tornar-se cada vez mais relevante para a manutenção da paz mundial, à medida em que os projetos em comum, a exemplo de novas “rotas da seda”, conquistam outros parceiros na região chamada Eurásia, onde estão cinco dos nove países detentores de armas nucleares.


A hostilidade de Washington aos dois poderosos aliados soma-se ao caos de uma região já conturbada por conflitos, a exemplo da crise militar na Caxemira, a belicosidade entre Índia e Paquistão, a persistência do terrorismo do Estado Islâmico, a influência do Taliban no Afeganistão e regiões tribais, territórios sem estado, no coração da Ásia Central, e, principalmente, a corrupção total nas esferas governamentais, que contribuem apenas para o profundo atraso regional. Em todas estas questões, a influência dos dois países é latente e inevitável.


Enquanto o comércio entre os Estados Unidos e a China se deteriora com tarifas de bilhões de dólares às exportações de ambos os lados, as relações comerciais entre a Rússia e a China crescem com vigor. Ambos governos planejam dobrar o valor de US$ 107 bilhões negociados em 2018, alcançando US$ 200 bilhões em 2024. Com este objetivo, projetos em comum nos campos de energia, indústria e agricultura já estão em andamento.


Mas especialistas em geopolítica, como Holly Ellyatt, da rede americana CNBC, notam que a aliança entre os dois gigantes não é uma união entre iguais. Enquanto o Fundo Monetário Internacional (FMI) espera crescimento russo de 1,2%, para a China a expectativa é de 6,3% em 2019.


Objeto de sanções econômicas pelo Ocidente, após a anexação da Crimeia ucraniana em 2014, a Russia encontra na China o seu maior mercado. “Cria-se uma bifurcação da economia mundial em esferas americana e chinesa”, explica a analista de Cailin Birch, para a CNBC. A Rússia é o terceiro maior produtor de petróleo e gás natural, atrás dos EUA e da Arábia Saudita, enquanto a China é o segundo maior importador de petróleo bruto.


O sentimento anti-americano compartilhado pela comunidade de segurança nacional dos dois países leva à cooperação na proteção de fronteiras, desenvolvimento de tecnologia militar e medidas antiterrorismo. Melinda Liu, analista da revista Newsweek, cita a obra literária chinesa Os três reinos, escrita por Luo Guanzhong no século 14, uma longa narrativa sobre guerra e enganação entre três potências há dois mil anos. Os reinos de Shu, Wu e Wei vivem uma espiral de aliança, traição, hostilidade e realinhamento: “o império, uma vez unido, deve dividir-se e uma vez dividido, deve reunir-se”, diz a famosa frase de abertura do livro.


A sinergia dos dois países pode apenas ser abalada pela desconfiança na relação de ambos, individualmente, com os Estados Unidos. A China não tolera uma reaproximação entre Moscou e Washington. No início de seu mandato, o presidente Donald Trump cogitou a entrada da Rússia de Putin no G-7. Em outra frente, Vietnã e Índia, países em disputa territorial de fronteiras com a China, continuam comprando armamentos russos.


No entanto, este ano, pela segunda vez, a China juntou-se aos aliados militares da Rússia para exercícios militares Tsentr 2019, juntamente com Índia, Paquistão, Kazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão e Uzbequistão. Segundo Liu, na visão de mundo do líder chinês Xi Jinping, “obcecado pelo seu próprio legado”, se o Partido Comunista relaxar nas questões internas e externas, a tendência é encontrar o mesmo colapso que acabou com a União Soviética em 1991.


Sobre o autor


Yukio Spinosa é jornalista, intérprete, tradutor e consultor para prospecção de produtos da indústria japonesa.Ele escreve quinzenalmente, às sextas-feiras, para a coluna Conexão.


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