Conexão Japão: Hong Kong contra um destino traçado

Nesta edição da coluna, Yukio Spinosa explica os motivos que levam milhares de manifestantes às ruas nos últimos três meses

Por: Yukio Spinosa- De Nagoia  -  07/09/19  -  00:43

Inicialmente uma manifestação pacífica, a convulsão nas ruas de Hong Kong nos últimos três meses deixou nove mortos e centenas de feridos em confrontos contra a polícia e incidentes entre populares. Na última quarta-feira (4), Carrie Lam, líder do governo, fez discurso afirmando retirar o projeto de lei que possibilitava a extradição de cidadãos de Hong Kong para a China, criada após um crime cometido em Taiwan. Esta era apontada como a principal causa dos manifestantes.


“Muito pouco, tarde demais”. O recuo é apontado como uma estratégia para ganhar tempo. A cogitação da criação de tal lei deixa clara a razão principal dos protestos. Hong Kong faz fronteira com Shenzhen, o maior polo tecnológico e industrial da China. Em 28 anos, o regime chamado de “um país, dois sistemas” passa a ser “um país, um sistema”.  


Na história de Hong Kong existem três datas importantes para entender por que uma multidão sai às ruas diariamente em demonstrações de protesto. Por não ser possível voltar ao passado, os cidadãos de Hong Kong têm apenas o tempo presente para evitar que seu estilo de vida capitalista, liberal e democrático chegue ao fim. No dia 9 de junho de 1898, como resultado da Segunda Guerra do Ópio, o Império Chinês foi forçado a ceder as ilhas de Hong  Kong e territórios próximos à Inglaterra por 99 anos.


A cessão expirou no dia 1° de julho de 1997, quando a então primeira-ministra Margaret Thatcher e o premiê chinês Zhao Ziyang assinaram tratado que prevê a condição de região semiautônoma, por 50 anos. Em julho de 2047, cumprindo-se o acordo entre os governos de China e Inglaterra, Hong Kong voltará ao controle chinês, agora uma superpotência militar, autocrática e comunista.


Até lá, Hong Kong encontra-se numa fase em que é parte da China, mas tem alto grau de autonomia e liberdades democráticas, como direito ao voto, liberdade de discurso, de imprensa e de associação. “A liberdade da pessoa residente em Hong Kong deve ser inviolável”, diz o Artigo 28 de sua Constituição. Isso faz a região autônoma completamente diferente da China continental, que é autoritária. Seus cidadãos não têm as mesmas liberdades.


O sistema legal é comumente utilizado para prender, punir e silenciar pessoas que discursarem contra o Estado. Por isso, o projeto da lei de extradição era assustador para os democratas de Hong Kong. 


A China parece não querer esperar mais 28 anos para ter o território em seu poder e já está praticando a transição. Durante o mandato do atual líder chinês, vendedores de livros foram sequestrados (em 2015) e mantidos sob custódia por oito meses, ativistas pró-democracia foram presos (em 2017) e, recentemente, seis representantes eleitos por voto popular foram desqualificados pelo parlamento. Numa operação sem precedentes, o Partido Pró-democrático foi banido de atuação política, por ser considerado perigoso para a segurança nacional.


Em 2003, meio milhão de manifestantes conseguiram mudar uma lei que previa punição contra quem discursar contra a China. Em 2014, dezenas de milhares protestaram contra a influência chinesa nas eleições de Hong Kong.


O êxito obtido com a retirada da lei de extradição não muda o curso da história, uma vez que a bancada sob influência chinesa já tem presença majoritária no congresso.


Os guarda-chuvas, símbolo do movimento que se iniciou no final da primavera, tornaram-se escudos contra sprays de pimenta da polícia.


A pujante cidade foi reduzida a um campo de batalha, com as tropas chinesas em prontidão em Shenzhen. Barricadas feitas com lixeiras, pedras retiradas das calçadas são arremessadas contra a polícia. Flores colocadas na entrada de prédios em homenagem aos mortos e feridos. Estas são algumas das imagens dos cidadãos de Hong Kong e seu repúdio à China continental.


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