Conexão Itália: Retomada a la italiana

É tempo de resiliência. Mas, quando for o da segunda etapa, o da reabertura, que ela também seja gradativa, inteligente, ética, responsável, enfim, à la italiana

Por: Paulo Henrique Cremoneze  -  08/05/20  -  00:07

Salvo engano, a Itália é o país que mais sofreu com a pandemia da covid-19. Sofreu muito com o contágio. Sofreu com mortes em números de guerras. Sofreu com perdas materiais substanciais. 


As vidas perdidas não tem como medir. Trata-se do sofrimento pelo sofrimento.Os gastos com a saúde pública certamente arrebentaram o orçamento do país. As perdas econômico-financeiras já passaram há muito a casa dos bilhões de euros. Estima-se que a queda do PIB  será de cerca de 10%, talvez mais.


A Itália não é um país que vive do turismo. Não. Sua indústria é forte e suas exportações, ainda mais. A Itália exporta automóveis de luxo, automóveis convencionais, tratores, maquinários, armas de fogo, produtos de luxo, caminhões, vinhos, queijos, produtos de charcutaria, azeites, roupas etc. Uma indústria diversificada, rica, sólida e que produz bens de reconhecida excelência em todo o mundo.


Embora não viva do turismo, tem no setor um importantíssimo elemento constitutivo de sua riqueza. O terceiro setor, o de prestação de serviços, é tão forte que fez o país um dos sete mais ricos do mundo.


Por isso, a Itália sangra muito com a  necessária e imprescindível política de quarentena, de rigoroso distanciamento social.


Depois de dois meses de muita agonia, os resultados positivos começaram a aparecer e os esforços heroicos da população, recompensados. Tanto que, no último dia 4, o governo iniciou o processo de reabertura do país, de afrouxamento da quarentena. Um processo lento, gradual, cuidadoso e baseado na ciência e no bom senso, equilibrando as necessidades da saúde pública e da economia. Afinal, na medida do possível, a vida tem que voltar ao (quase) normal. As pessoas têm que retomar suas vidas.


O risco é calculado, responsável e muito bem dimensionado e dirigido. As falhas iniciais do governo não se repetem neste momento e tudo é feito com muita discricionariedade. As indústrias, com adaptações e medidas preventivas de segurança, voltaram às atividades. Outros setores da economia, também. O comércio deverá voltar daqui dez dias e, no próximo mês, vão voltar os bares, cafés, restaurantes. Voltam, mas com capacidades reduzidas e muitos cuidados.


E todo o mundo sabe que, ao menor sinal de alerta, ao primeiro movimento de crescimento dos contágios, a quarentena voltará imediatamente, até porque se espera para outubro uma segunda onda do novo coronavírus no país.


Aguarda-se a reabertura das igrejas e o retorno das Missas presenciais. A história da Itália se confunde com a da Igreja e seu povo mantém viva a fé, parte de sua identidade, e sente saudade enorme das Missas presenciais e dos sacramentos.
Talvez, a recente e bem sucedida experiência da Alemanha, especialmente a da magnífica Catedral de Colônia, seja a base da retomada da vida espiritual e de uma quase normalidade. Que o Senhor assim permita.


Os italianos aprenderam com seus erros e estão dispostos ao enfrentamento racional, inteligente, estratégico da pestilência.


Todo cuidado é pouco! Sim, é preciso voltar ao ritmo da quase normalidade, mas nenhum descuidado é aceitável. Trata-se, aliás, de uma questão de honra e de respeito aos milhares e milhares de mortos, seus familiares e amigos.


A Itália se uniu para combater a pandemia. Diferenças políticas, ideológicas, sociais, foram deixadas de lado, ainda que parcialmente. E todos passaram a encarar a doença e seus efeitos com espírito de grandeza.


Espero em Deus que a reabertura gradativa seja um grande sucesso, que a doença perca fôlego e que as fronteiras do país sejam reabertas o mais brevemente possível.


Eu sinto saudades da Itália e conto os dias para voltar a visitá-la. Estar na Itália, algumas vezes por ano, faz parte da minha vida e anela minha personalidade. A distância do país só não é mais sentida que a do exercício pleno da fé.


Este, contudo, não é um texto apenas para noticiar o que se passa na Itália, mas para exaltar a postura coletiva do país.


Ao contrário do Brasil, onde as autoridades de todos os níveis administrativos e legislativos batem cabeças, em uma ridícula e inescrupulosa antecipação do jogo eleitoral de 2022, lá houve seriedade, reconhecimento público de falhas, humildade, comprometimento e muito esforço.


A Itália tem muito a ver com o Brasil. Aqui, especialmente em São Paulo e nos estados do sul, é o lugar que mais tem nomes italianos depois da própria Itália. Assim, que o Brasil possa observar e imitar a nação irmã, dela haurindo o bom exemplo e fazer o que é certo, o que é moralmente ordenado e o que necessário para proteger os brasileiros.


Por enquanto, é tempo de se manter o necessário isolamento. É tempo de resiliência. Mas, quando for o da segunda etapa, o da reabertura, que ela também seja gradativa, inteligente, ética, responsável, enfim, à la italiana.


Auguri, forza, Itália! Sucesso, coragem, Brasil.


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