Conexão França: Dia D e o começo do fim da guerra

Na edição da coluna, Diana Gonzalez fala sobre a data que representa o começo do fim da Segunda Guerra Mundial e o início da derrota nazista

Por: Diana Gonzales - De Paris  -  11/06/19  -  21:35

Dia 6 de junho, o Dia D, ou le jour J, como dizem os franceses. Neste exato dia, há 75 anos, acontecia o desembarque dos Aliados em praias da Normandia, fato que mudaria os rumos da história. O dia D marca o começo do fim da Segunda Guerra Mundial, o início da derrota nazista, o fim de Hitler. Para os franceses, esse dia simboliza a libertação da ocupação alemã.


“Veteranos, nós sabemos o que nós devemos a vocês: a liberdade”, disse o presidente Emmanuel Macron diante de cerca de 500 combatentes, a maioria centenários, na comemoração dos 75 anos na semana passada.


O Dia D teve o maior número de navios mobilizados para uma guerra: 6.939 veículos náuticos com 132.700 homens.


Algo que me fascina, desde que vim morar aqui, é ver a proximidade que a guerra tem na vida das pessoas. Aquilo que pra mim parecia ser tão distante, pertencer só aos livros de história, aqui é parte dos contos familiares. Os avós de meus amigos franceses viveram a guerra. Tiveram suas vidas traumatizadas e fortemente influenciadas por ela. Aliás, não só por ela, mas por elas, pois os parentes mais ancestrais também viveram a Grande Guerra.


Os franceses mais velhos costumam usar a expressão : “percebe-se que você não conheceu a guerra” quando vêem os mais jovens em situação de exagero de consumo, típico de quem não viveu a escassez ou a incerteza de não ter o que comer no dia seguinte.


Ouvi esta frase com certa frequência dos avós de uma família que ficavam impressionados com o fato dos netos tomarem dois banhos por dia. “Pra que gastar tanta água?”, diziam indignados. Uma amiga francesa disse-me que sua avó sempre evocava a frase “percebe-se que você não conheceu a guerra”, quando ela era mais jovem e deixava comida no prato. A frase para a vó dela não era apenas uma expressão comum repetida que perdera o sentido, e sim o reflexo real do que ela havia vivido.


Outra amiga, esta de quase 70 anos, me contou a história de seus pais. Sua mãe conhecera seu pai um pouco antes dele partir pra guerra. Ficaram noivos e passaram cerca de sete anos sem se ver. Só se comunicando por cartas. E quando a guerra acabou, puderam, enfim, se reencontrar, casar e constituir família. Porém, seu pai não contava nada sobre esse período. Queria apagá-lo da memória. Imagina nos dias de hoje, noivar, ficar sete anos sem ver o noivo e sem saber se um dia ele retornará, se sobreviverá a cada dia de batalha? Parece surreal nas eras dos “matchs” e relacionamentos instantâneos virtuais que se a gente não gosta, basta “clicar” na próxima opções.


Numa outra família de amigos, um dia vi um objeto que achei bonito, uma espécie de cano dourado decorado com desenhos em decalque. Pra minha surpresa, este objeto fazia parte de um armamento bélico de algum antigo soldado da família.


E essa presença bélica não existe só na memória de familiares, mas também de forma física e muito perigosa. Ainda existem munições perdidas em território francês. Entre 2012 e 2018, foram descobertos 603 locais com lixos bélicos, em quatro regiões francesas. Estes vestígios continuam sendo altamente perigos e provocam graves acidentes.


Um garotinho, um dia, colhendo frutas e pedras no chão, voltou pra casa com “uma pedra de abacaxi”. Era uma granada. Desta vez não houve acidente, mas muitas vezes os vestígios das guerras ainda provocam explosões.


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