Conexão Argentina: Macri, o liberal que não foi

Nesta edição da coluna, Samuel Rodrigues aponta quatro promessas não cumpridas pelo presidente da argentina e o clima para sua saída do cargo

Por: Samuel Rodrigues - De Buenos Aires  -  10/09/19  -  20:22
Mauricio Macri é o atual presidente da Argentina pelo menos até 10 de dezembro
Mauricio Macri é o atual presidente da Argentina pelo menos até 10 de dezembro   Foto: JUAN MABROMATA/AFP

Imaginem um governo liberal que congela os preços dos supermercados e restringe a compra de moeda estrangeira. Que se elegeu criticando as gestões anteriores e agora, a três meses do fim de seu primeiro mandato e com a reeleição ameaçada pela derrota nas eleições primárias, toma medidas que parecem tiradas da cartilha de seus maiores adversários.


Mauricio Macri, presidente da Argentina pelo menos até 10 de dezembro, tomou medidas atrapalhadas ao longo de seu mandato e parece ainda não ter aprendido direito o que fazer no cargo. Os argentinos nunca se cansarão de  lembrá-lo de quatro promessas não cumpridas:


1) Eliminar a inflação. Macri assumiu afirmando que seria “muito fácil” debelar a inflação. Não foi. Nos últimos 12 meses, o índice oficial se manteve sempre acima dos 40%. Devido à disparada deste ano (em julho, chegou a 54,4%), o governo congelou os combustíveis e vários produtos da cesta básica.


2) Controlar o dólar. Macri assumiu em dezembro de 2015 com o dólar a 9,8 pesos. Uma semana depois, a divisa já custava 13,9 pesos. Depois disso, experimentou uma relativa e longa estabilidade, mas nos últimos 18 meses voltou a subir com força e hoje está na casa dos 60 pesos. Para se ter uma ideia do estrago, basta imaginar como seria se o Brasil chegasse a 2022, no último ano de Jair Bolsonaro, com o dólar a R$ 25. Em uma tentativa desesperada, Macri impôs restrições à compra de moedas estrangeiras, o que gerou uma corrida aos bancos devido ao temor de confisco das poupanças em dólares.


3) Atrair investimentos. A tal “chuva de dólares” prometida por Macri em campanha nunca chegou e, para garantir algo de moeda forte nos cofres, a Argentina precisou recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Esse tiro também saiu pela culatra: o peso começou a perder valor ainda mais rapidamente e os dólares emprestados pelo fundo passaram a ser queimados em rodadas diárias no mercado financeiro para estancar a sangria. Passadas as eleições primárias, o governo se viu incapaz de honrar a dívida de curto prazo em uma moeda que não pode imprimir e declarou moratória parcial dos pagamentos iminentes.


4) Impulsionar a indústria. Macri prometia fortalecer a produção local, mas em vez disso abriu as fronteiras para as importações. Enquanto esteve protegido da concorrência do exterior, o industrial argentino não investiu para ser competitivo, preferindo enviar os lucros para Miami. Quando os produtos chineses inundaram o mercado, principalmente eletrônicos, muitas fábricas fecharam e outras estão perto disso.


O sistema eleitoral, com eleições primárias para definir quem disputará a eleição de verdade, transformou Macri no que ingleses e americanos chamam de lame duck (pato manco). Trata-se do político que já tem sucessor definido embora ainda esteja no mandato, com força política quase nula. Em bom português, poderíamos dizer que ele é carta fora do baralho, embora as eleições de verdade ainda não tenham acontecido. Por outro lado, com pouco a perder politicamente, o manco presidente pode tomar medidas sem temer as consequências.


Macri, o liberal que não foi, vai terminando seu mandato sem deixar saudade. Embora muitos temam o retorno dos peronistas, encarnados por Alberto Fernández e Cristina Kirchner, esta envolta em graves denúncias de corrupção, há no ar uma certa sensação de que “pior que está não fica”.


Oremos. 


Sobre o autor


Samuel Rodrigues é jornalista e tradutor. Ele escreve na coluna conexão quinzenalmente, às terças-feiras.


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