Casal de brasileiras luta para retornar da África do Sul e cita abandono do governo

Gisele Simões Dias e Aline dos Santos Lins buscam uma forma do Ministério das Relações Exteriores realizar um voo de repatriação. Outros 27 brasileiros vivem a mesma situação no país

Por: Bruno Gutierrez  -  12/08/20  -  20:05
Aline e Gisele foram à África do Sul para fazer um intercâmbio
Aline e Gisele foram à África do Sul para fazer um intercâmbio   Foto: Arquivo pessoal

Um casal de brasileiras tem lutado, há pelo menos 4 meses, para tentar retornar da África do Sul. Com poucos recursos financeiros e morando de favor no país africano, elas apelam ao governo brasileiro para conseguir um um voo de repatriação.


Gisele Simões Dias, de 31 anos e Aline dos Santos Lins, de 28, são casadas e viajaram para o continente africano em novembro, em um intercâmbio para aprimorar o idoma inglês. A programação delas era ficar no país até maio, quando encerraria o curso. No entanto elas foram uns dos muitos brasileiros que estavam no exterior e foram afetados pela pandemia do novo coronavírus.


"O começo da pandemia foi um momento muito estranho, muito surreal, na verdade, para todo mundo. Começou em março o lockdown aqui. Estávamos na escola e o governo sul-africano começou fechando as escolas. No meio de uma semana de aula a escola fechou. Ninguém sabia exatamente o que estava acontecendo, o quão grave era a situação. Na semana seguinte começou um lockdown severo. Fechamento da cidade por completo. Só para serviços essenciais, se precisasse de médico, polícia ou farmácia. Não tinha absolutamente ninguém na rua. Foi bem diferente da situação do Brasil, que nós acompanhamos. Foi bem sério. Ficamos perdidas. Nunca passamos por uma situação dessa, ainda mais fora do nosso país, em outro lugar, com pessoas diferentes. Lockdown total", relatou Aline, que vive com Gisele na Cidade do Cabo.


Segundo ela, o governo brasileiro chegou a realizar um voo de repatriamento, em 6 de abril. No entanto, Gisele ficou doente e apresentou sintomas gripais uma semana antes. Em seguida, Aline também adoeceu. De acordo com a brasileira, o voo foi apenas divulgado na página do Consulado-Geral do Brasil no Faceboook. E quando elas souberam da oportunidade, o avião já havia partido.


A partir daí, começou a luta do casal com o Consulado-Geral do Brasil na Cidade do Cabo e com o Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) para conseguir um novo voo de repatriamento.


Dificuldades no consulado


Com a vida afetada pela pandemia, Aline e Gisele foram buscar auxílio e orientação no Consulado-Geral do país na cidade. "Expliquei que as finanças estavam terminando, que nos programamos para ficar até maio  e que precisávamos desse suporte. O consulado sempre deixou claro para nós que eles não tinham dinheiro, não tinham verba para custear nada. Nem outro voo, nem pagar para a gente, nem ajudar com nenhum tipo de suporte financeiro. Desde aquela época, que voo de repatriação ocorreu, a gente está tentando, conversando com o consulado, expondo a nossa situação e o que está acontecendo com a gente", comentou Gisele.


Com o fim das aulas de intercâmbio, o visto do casal na África do Sul expirou. Elas ficaram, também, sem seguro saúde. O aluguel da residência que elas estavam também venceu. Elas ainda permaneceram por um mês no local, graças a proprietária do imóvel. Hoje, estão albergadas em uma casa da escola onde estudavam.


A esperança do casal se renovou em junho, quango Gisele soube por uma amiga brasileira, que o Ministério das Relações Exteriores havia pago passagens de volta para brasileiros que estavam em Malta, na Europa.


"Mandei uma mensagem para o Itamaraty falando que eu não tinha como pagar as minhas passagens. Que eu estava sabendo que eles tavam pagando lá em Malta e que eu queria esse suporte também. Mas falaram que eles não podem influenciar, que cada consulado tem uma verba. E que eu tinha que falar com o consulado daqui. Eu fui falar com o consulado novamente. Eles nos receberam no meio de julho e explicaram que eles não tem verba, que eles não iriam conseguir pagar, mas que eles poderiam mandar um telegrama para o Ministério das Relações Exteriores declarando a nossa hipossufiência e perguntando se eles poderiam pagar para a gente a nossa passagem de volta", explicou Gisele.


Segundo as brasileiras, foram encaminhados uma grande quantidade de documentos como comprovante de estudo, alugueis, vistos, certidão de casamento e extratos bancários. O consulado também chegou a ligar para os pais das duas para saber se eles não possuem condições de ajuda-las. "Eles (consulado) nos avisaram que mandaram o telegrama para Brasília e ponto. Acabou. A gente não teve mais notícia nenhuma. Então, a gente não sabe o que está acontecendo", disse Gisele.


Gisele e Aline na Cidade do Cabo. Ao fundo, o estádio Green Point, uma sedes da Copa do Mundo de 2010
Gisele e Aline na Cidade do Cabo. Ao fundo, o estádio Green Point, uma sedes da Copa do Mundo de 2010   Foto: Arquivo pessoal

Sentimento de abandono


As brasileiras se sentem abandonadas pelo próprio país em meio a pandemia de Covid-19. Segundo elas, o Itamaraty fica num jogo de empurra com o Consulado. " Nós somos a batata quente que cada um joga e ninguém resolve. O que mais precisa ser feito para que nosso país veja que precisamos de ajuda?".


O sentimento pelo governo brasileiro contrasta pelo apoio recebido da população na Cidade do Cabo. "Temos gratidão às pessoas da África do Sul. Temos recebido ajuda de todas as formas. Eles tem nos ajudado mais que o nosso país. Isso é muito impactante. É muito doído, de certa forma, porque você se sentir sem respaldo pelo próprio país é uma sensação muito ruim Mas estamos muito gratas pelas pessoas daqui", comentou Gisele.


Segundo ela, existem voos de repatriação que, na verdade, são voos comerciais, onde as companhias aéreas realizam um acordo com o governo local para a abertura do aeroporto para o embarque desses passageiros. 


"A Qatar, a KLM, a Airfrance, a Etiophia Airlines. Todos estão fazendo 'voos de repatriação' pagos. Todos são 900 dólares, 1 mil dólares, 1,5 mil dólares, 2 mil dólares. Você vê quanto tá o cambio do dólar para o real para fazer uma conta. A gente não tem esse dinheiro. Somos eu e a Aline. É tudo vezes dois. Muitos voos são em Joanesburgo.  E o consulado não dá suporte para ir da Cidade do Cabo para lá. Teríamos que pagar outro voo ou 12 horas de carro. Não temos esse dinheiro ou a quem recorrer", explicou Gisele.


Grupo de brasileiros tentam contato 


Aline e Gisele fazem parte de um grupo de 29 brasileiros que estão na África do Sul e tentam o retorno ao País. Eles enviaram uma carta ao Ministério das Relações Exteriores, à Embaixada do Brasil em Pretória e ao Consulado-Geral do Brasil na Cidade do Cabo, com cópia à Secretaria da Presidência da República e à Defensoria Pública da União.


No documento, eles citam o fechamento da fronteira do país africano devido a pandemia e voo de repatriação feito em 6 de abril. "Porém, seja por motivo de não ter sido informado sobre ele, por suspeita de Covid-19, por não conseguir se desvencilhar dos compromissos aqui ou porque acreditávamos que depois de algumas semanas as fronteiras seriam reabertas, o fato é que muitos de nós não pudemos embarcar naquele voo e, passados 4 meses, a situação se agravou para muitos", relata o texto.


A carta também cita os voos feitos por empresas comerciais e alto custo das passagens. "Os valores ofertados variam entre R$ 6 mil e 15 mil por pessoa. A impressão que nos passa é de que só conseguirá voltar para casa quem tem condição financeira de fazê-lo dentro dos valores exorbitantes impostos por essas empresas. Isso nos dá uma tremenda sensação de abandono", diz o documento.


No documento, os brasileiros relatam o medo pela escalada do coronavírus na África do Sul "já que alguns de nós já está com seguro-saúde vencido e não pode ser atendido pelo sistema de saúde público local caso adoeça, pois que o mesmo é restrito a cidadãos do país".


"Temos enviado sucessivos e-mails à Embaixada do Brasil na África do Sul fazendo pedidos de repatriação subsidiado pelo Governo brasileiro, porém, só temos recebido a informação de que não há previsão para que nosso pleito seja atendido. Enquanto isso, o tempo passa e a nossa situação fica cada dia mais difícil".


O texto ainda conta que há um outro grupo, de 114 brasileiros, que estão em Angola e passam pela mesma situação. 


Ao final, a carta dá duas soluções ao governo brasileiro: "que realize um novo voo de repatriação, partindo do continente africano resgatando pessoas que estão na África do Sul, Angola e demais países da África Central e Meridional que, porventura, aguardam por essa oportunidade" ou "que sejam subisidados  os custos das passagens para que possamos retornar ao Brasil, diante da nossa falta de condição financeira para pagar voos tão caros".  


Resposta


Questionado sobre a situação enfrentada por brasileiros na África do Sul, o Ministério das Relações Exteriores, por meio do Consulado do Brasil na Cidade do Cabo, disse que presta toda assistência legal e materialmente possível aos referidos cidadãos brasileiros, respeitando-se os tratados internacionais vigentes e a legislação local, conforme estabelecido pela Convenção de Viena sobre Relações Consulares, o Regimento Interno da Secretaria de Estado das Relações Exteriores e o Manual de Serviço Consular e Jurídico do Itamaraty.


Sobre o caso envolvendo Gisele e Aline, o Consulado explicou que "nos termos do art. 31 da Lei 12.527/2011 e do art. 55 do Decreto 7.724/2012, informações pessoais que se referem à intimidade, vida privada, honra e imagem são protegidas por sigilo e não podem ser divulgadas sem 'previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem'".


Além disso, o ministério destacou que, desde o início da pandemia, "vem trabalhando para o retorno ao Brasil dos cidadãos brasileiros que se encontram no exterior e que solicitam repatriação. Para tanto, em março último, foi estabelecido o Grupo Consular de Crise. Nossa rede de embaixadas e consulados permanece empenhada na busca de soluções para casos de necessidade de repatriação ou de assistência a cidadãos desvalidos, dentro das capacidades materiais da operação".


Até o momento, depois de 4 meses ininterruptos de trabalho do Grupo Consular de Crise, foram repatriados com o apoio do Itamaraty cerca de 38.800 brasileiros, em operações que incluíram a contratação direta de voos fretados ou o apoio institucional de nossa rede de embaixadas e consulados. 


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